«O Carrossel de Lúcifer» - uma visão do mal como acto estratégico de Deus
PJ: Antes de mais nada começo por lhe pedir que desmonte o título do seu livro – «O Carrossel
de Lúcifer».
VE: Pensei que podia dar uma boa capa (risos). Na verdade, foi um desafio para a Bertrand: como interpretar no plano gráfico um título destes de forma a evitar um posicionamento transversal? Já vi o livro em pelo menos duas livrarias de renome na secção da ficção estrangeira em inglês, ou seja, por traduzir, na categoria de terror... Bom, pelo menos estava ao lado de Stephen King (risos). O que quero dizer, ao contar este episódio que faz ressaltar a dificuldade que alguns livreiros têm em catalogar o livro (e ainda bem que assim é), é que o título é deliberadamente provocador, porque é esse o seu mote mas no sentido de induzir no leitor sentimentos diversos, dúvidas, interrogações. Afinal, do que trata este romance? Porque lá dentro, cada leitor pode encontrar vários caminhos, várias interrogações, e catalogá-lo como bem entender. E é esse precisamente o objectivo da narrativa: não ser simplista ao ponto de se descobrir nela uma única camada de leitura, mesmo correndo o risco de a envolver numa forte carga simbólica. Para isso, precisava de ter um título que não fosse redutor, que traduzisse na medida do possível algumas ideias centrais, o fio condutor de uma história em aberto que espero que possa ser lida de modos bastante diferenciados. Agora, é óbvio que eu tenho a minha leitura pessoal do título, que presidiu à sua escolha, embora, como disse, fico feliz que outros o desmontem doutra maneira. Assim, e respondendo finalmente à sua questão, para mim, o título «O Carrossel de Lúcifer» remete acima de tudo para a luta entre o bem e mal, usando dois universos: o das crianças, simbolizado pelo carrossel, e o mundo dos adultos (um mundo manietado por Lúcifer, o Diabo, como metáfora da descida aos infernos que é preconizada por algumas personagens do romance). Uma segunda abordagem possível é a ideia da desordem, do caos, das doenças da sociedade moderna, não só no sentido patológico mas também metafísico. No fundo, é uma síntese possível da descrição de uma cosmogonia que vê a realidade, o nosso quotidiano, como o próprio Inferno, como um carrossel desgovernado em que todos somos obrigados a andar, em círculos, como se se tratasse de uma condenação dos seres humanos. E daqui resulta a segunda provocação que se segue ao título: «uma visão do mal com acto estratégico de Deus”.