Quinta-feira, 23.06.11

Prosa poética Aline Pereira - V


Parei em frente à vitrine da tabacaria, observando pipes, bongs e narguillas. Por dentro, disputavam pelo que não me servia. A burrice, a covardia, o medo, não queria arrastá-los mais. Uma hora tudo acaba por exaustão. Lembrei-me da lagarta silenciosa e dos mushrooms que trouxemos secretamente na bolsa. Nem ela, nem eu, sabíamos quem era, só que me transformara várias vezes. Parecia-me com as outras, meu rosto ardia de tanto ser maquiado. Vi o reflexo da mulher de cabelos curtos, azuis, talvez roxos, com fones de ouvido. Atraía, do espelho da loja, a technicolor de casaquete verde e relógio laranja. Era eu? Senti-me velha como o Pai Joaquim. Temi que meu juízo se estragasse, mas não tinha nenhum, plantava só para passar o tempo. Disse pra mim mesma: Reciclo-me ou me devoram. Olhei para o king kong com uma coroa de ouro, que estampava a camiseta hemp. A lagarta foi a primeira a falar - Ele iria gostar. Eu respondi que não importava, pois não era questão de tamanho, e logo quis ser maior, numa vontade bruta de crescer. Ela se mostrou assustada com a mudança, e eu já nem via a larva que um dia também havia sido. Com os braços esticados, eu tentava capturar as ideias e os borrachos hediondos. Foi nessa hora que ele chegou, interrompendo. "Deixe-me em paz!" - Sorri, abracei-o, traguei-o de uma vez por todas, como todas as vezes. Queria tê-lo sempre assim em minhas mãos, como o borracho esmagado. Ele era uma ideia, a miragem de uma tarde vazia, o que eu não faria por uma vida de contemplação, sendo idólatra que sou. Então vi a serpente se enroscar no meu pescoço pelo meu ombro. Ele me conduzia para o mar. Dormimos na pedra um sono de minutos, até eu engasgar com o soluço de vida numa explosão. Tossia, tossi enquanto tinha a ilusão toda chupada, restando só o bagaço. O largo se encolhia tão rápido quanto engordavam as pastas e as traças. Tossia, tossi o teatro inteiro lotado. Foi como perdi o amor. Morte justa. Não como os apaixonados. Ele também não queria mais. O fingimento era o nosso resíduo de ânimo, uma mistura de chamusco e sangue. Quando a tosse acabou, ele me deu um beijo na testa, beijo de feições defuntas. Passou um carro na rua buzinando. Eu ia com a minha havaiana, pedaços de coxa, ponta de unha, pingo de lágrima e calor. Não doía, mas se soubesse, teria inventado uma fantasia mais leve. Subi as escadas e fechei a porta. Eu não falei? Pois para mim foi uma honra conhecer um alienígena. Reguei a menina e dela tirei uma flor. "Eu tenho que amar alguém e alguém vai me amar." Com a precipitação das pétalas, eu era um soldado cada vez mais perto da véspera da guerra. O tinir dos pratos na sala atravessavam o meu corpo imóvel. A lagarta, pobre coitada, balançava a cauda atraindo os peixinhos do aquário. Foi assim que meus olhos afogados no mar que não era de leite, só era branco, não viram mais nada além do branco. À impressão de que do nascer e do pôr-do-sol nenhum outro ritmo alterava a minha vida, permaneci imóvel na bola, com o sol e as estrelas girando em torno dela. Até que de manhã eu senti a bola rolando comigo, na órbita dos meus olhos. Tudo se movia de repente, até mesmo o tempo e senti que fazia, eu mulher, o tempo. Perdi o medo de serpentes, trovão, fantasmas. O ponteiro, senhor intrépido, ensinou-me a lançar dardos e a guiar carros. Pensando no domesticado e no rebelde, esqueci o tempo em sua borracha. Guardei-o na carteira, sentindo-o dentro, e por imaginar que o dominava, exorcizei-o, como se cuspisse um chiclete. 
publicado por Revista Literatas às 07:00 | link | comentar
Terça-feira, 14.06.11

Prosa Poética de Aline Pereira – IV



Todos à convocação do diretor que não manda sozinho na história. "Vamos fazer juntos o filme." Vozes, gestos, sombras e luzes. O cenário é uma floresta de signos, um emaranhado de vida em toda parte. O deserto sem camelos é também o refúgio da amante do grão-senhor, Ismália. Quando o senhor se vira, ela morde a borda das taças de coral e mastiga os fragmentos antes de engolir. No escuro, em gorro de dormir, a imaginada proprietária do lugar sonha com uma forte bofetada. O par de meias do queixo pontiagudo avança atrás das mudas para o feitiço. Colhe amoras, goiabas bichadas e espera que seu irmão junte as pitangas no bolso. No caminho ficam os rastros de filó preto. Clara ou Ismália é por quem o diretor grita e depois sussurra, perdido no mar que é o olho único de esmeralda. O homem não passa de um antigo revendo o caminho passado. Lá encontra uma parede muito alta. Então, coça a cabeça e pensa no domesticado e no rebelde e em suas vidas sobre espera. O filme que dirige não vai acabar, pois estão sujos, com medo, frio e fome. Além dos animais, caminham o diretor e o espectro gelado da atriz. Anoitece sem lua pra celebrar, e quando eles chegam no terreiro são apenas quatro velhinhos encolhidos, um homem bêbado mais dois senhores de terno. A lua sabe o que a espera, por isso se esconde. Ismália serve o banquete enquanto pensa nas pitangas do irmão. "Nunca entendi como funciona a máquina de descaroçar, embora saiba que a moral cheia de caroços não basta... os meninos da escola estudam as sementes o tempo todo." O diretor que foi o primeiro no ritual canibalesco a confortou: Só um peixe que tenta adivinhar o oceano arranca do desepero uma gota de esperança. Dito isso, a lua apareceu e enfim Ismália pode flutuar em sua direção. Só quando chegou lá bem no alto, eles perceberam que a lua era o rosto esbofeteado de Clara.
publicado por Revista Literatas às 03:13 | link | comentar
Segunda-feira, 06.06.11

O palhaço perneta


Aline Pereira – Rio de Janeiro

No vácuo ao largo, um corpo que arde 

Inválido bardo ao canto, debalde: 

E treme com febre, mas finge que escreve, 

pendido à muleta um palhaço perneta.

Tal bobo, sacode e balança na corda,

e bêbado cede a perna, que esquece

sentindo no alto a lambida de vida

da lua, acordada, e ao meio partida.

"Falta a mim também um pedaço"

Volta à musa em consolo o palhaço,

sem dela enxergar toda a pança,

quando vem da plateia um Oh!

Arregala-se, gira o braço,

busca a amiga fatal do espaço,

e lunático em queda ele dança,

sozinho, sem partes, sem dó...

publicado por Revista Literatas às 01:34 | link | comentar | ver comentários (1)
Sexta-feira, 03.06.11

Concursos alusivo aos 30 anos da APALA

APALA
ACADEMIA PAN AMERICANA DE LETRAS E ARTES
Fundada em 12 de Agosto de 1981



Rio de Janeiro, 04 de Maio de 2011
                         
           Caríssimos Confrades,

Neste ano de 2011, nosso sodalício completa 30 anos. Como parte da programação de aniversário, publicaremos a X Antologia e realizaremos 4 concursos literários.  Serão instituídas medalhas em homenagem aos 04 presidentes do quadro “In Memorian”.

a)      Publicação da X Antologia da APALA, intitulada: “ANTOLOGIA DE 30 ANOS

 Livro com 112 p. capa em  cores, plastificada fosca, no cartão 350 gramas (mais durinho do que o dos livros em geral, que é de 250 gramas), miolo em couchê 80 gramas, formato 14 x 21cm.
       Os textos poderão ser em verso ou em prosa, fonte “Times New Roman, tamanho 12” Trinta linhas por página. Mande uma pequena biografia, no máximo 05 linhas. Valor da página R$ 120,00. O autor receberá 10 livros por cada página que participar. Depositar na conta: BRADESCO - Agência 1546 – 6 Conta corrente 10332-2 . Enviar o comprovante de depósito junto com os textos.  Se preferir, mande um cheque nominal cruzado para Benedita Silva de Azevedo, até 30 de Maio de 2011.
Regulamento para os concursos
b) XI Concurso de Poesia da APALA “Medalha Dylma Cunha de Oliveira” 
TEMA:  Audácia  – Cada participante poderá concorrer com apenas uma poesia inédita, de sua própria autoria, em Língua Portuguesa, com no mínimo, 10 versos e no máximo, 30, usando pseudónimo como assinatura.   Remetente: XI CONCURSO DE POESIA DA APALA.
c) IV Concurso de Crónicas da APALA “Medalha Luiz Ivani de Amorim Araújo” (mini crónica – no máximo 30 linhas)
TEMA: Coragem - Cada participante poderá concorrer com apenas uma Crónica inédita, de sua própria autoria, em Língua Portuguesa, com no máximo 30 linhas, usando pseudônimo como assinatura. Remetente: IV CONCURSO DE CRÔNICA DA APALA
d) I Concurso de Trovas da APALA “Medalha Francisco Silva Nobre”
TEMA: Fortaleza - Cada participante poderá concorrer com apenas uma TROVA  (lírico-filosófica)  inédita, de sua própria autoria, em Língua Portuguesa usando pseudónimo como assinatura. Remetente:   I CONCURSO DE TROVA DA APALA


e) I Concurso de conto da APALA “Medalha Eduardo Victor Viscont” (mini-conto – máximo 30 linhas)
TEMA: Cultura - Cada participante poderá concorrer com apenas um Conto inédito, de sua própria autoria, em Língua Portuguesa, com no máximo 30 linhas, usando pseudónimo como assinatura. Remetente: I CONCURSO DE CONTO DA APALA
1 - Poderão participar todos os poetas e escritores brasileiros ou dos países de Língua Portuguesa, com idade superior a 18 anos. Os membros da Directoria da APALA não poderão concorrer.
2 – Os textos de cada concurso deverão ser enviados em 03 vias, digitados ou dactilografados, em papel  A 4, sem timbre ou qualquer identificação, espaço 1,5 , fonte 12 Times New Roman, em envelope grande.  Em um envelope pequeno, lacrado, envie, nome, pseudónimo, endereço postal e de e-mail, telefone e um mini currículo de 10 linhas.  O envelope pequeno deve seguir junto com os textos, dentro do envelope grande.    Enviar até 30 de Setembro de 2011.
3. Para onde enviar:
A/C de Benedita Azevedo
Rua Carlos Franco, 179, Praia do Anil
25.930 – 000 Guia de Pacobaíba, Magé – RJ – Brasil

4. Classificação: OURO, PRATA, BROZE e 3 menções Honrosas
6. Os trabalhos classificados serão lidos pelos autores ou pessoas indicadas por eles ou pela Directoria. Não podendo ser membro da Directoria. O melhor declamador também receberá a Medalha referente ao concurso que participa.

5. Cada intérprete só poderá defender um trabalho.
6. Os trabalhos enviados não serão devolvidos
7. O julgamento será feito por uma comissão instituída pela Presidência da APALA
8. O resultado e entrega dos prémios realizar-se-ão no dia 09 de Dezembro de 2011.
9. Os poemas premiados serão publicados na Antologia da APALA de 2012. A sua participação no Concurso já nos autoriza a publicar seu texto. Cada autor classificado receberá 3 exemplares, a título de direito autoral, nada mais lhe cabendo reclamar ou reivindicar.


Atenciosamente

Benedita Azevedo - presidente
publicado por Revista Literatas às 06:04 | link | comentar

Comunicado da Academia Pan Americana de Letras e Artes

APALA
Academia Pan Americana de Letras e Artes
Fundada em 12 de Agosto de 1981
    
                            
                           Rio de Janeiro, 01 de Junho de 2011

         
Caríssimos confrades,            

Continuaremos, neste mês de Junho, as actividades académicas de nosso sodalício. A  APALA completará 30 anos de sua fundação, no dia 12 de Agosto.

As nossas sessões acontecem na 2ª sexta-feira de cada mês, com início às 16 horas e término às 18 horas.

Em nossa reunião de Junho teremos a palestra a ser proferida pelo Profºª. LUIZ POETA, intitulada:  AS DORES E AMORES DE DOLORES DURAN".
     
Tragam seus textos e os apresentem na hora de arte. Sua presença será a maior retribuição ao nosso trabalho académico.            
Ao final, será servido o costumeiro lanche de confraternização.
      
          Atenciosamente,
                                                              
                                                      
BENEDITA AZEVEDO – Presidente

Local:   Auditório da FALARJ
R. Teixeira de Freitas, Nº 5, 3º andar, sala 303, Passeio Público   – RJ

publicado por Revista Literatas às 06:00 | link | comentar
Quinta-feira, 02.06.11

Prosa poética de Aline Pereira - III




Distraído ouvindo a gaiola canariar, o coronel palita os dentes quando, de repente, um menino empregado interrompe a leitura da pequena hóspede de olhos verdes, que atende por Clara. O homem na cadeira de balanço é também o dono de todas as coisas ali. Na estranheza de seu olhar a distância do impressentido amor: “Que é?” O menino responde: “Uma onça matou meu pai.” O silêncio das coisas que não estão acontecendo se fez. No estômago de Clara uma perna de carneiro chutava com força. “Por favor, devo ser apresentada.” O menino empregado, que é também a infância do meu herói, parecia intratável, talvez uma pedra, talvez uma testa enorme e desfigurada, por isso os demais criados o levaram antes que pudesse devolver à jovem o cumprimento. Clara mal abre a boca. O herói infante arqueja: “Sabe, hoje ouvi tantas modas! Todas sobre peixes...” Cantava sempre uma que parecia ter sido escrita de propósito para ela. De algum modo livre, o menino aproxima a boca do ouvido de Clara: “Conheço uma adivinha, toda em poesia, e toda sobre peixes.” Ela queria ver tudo, numa sensação imediata da vida desperta. O coronel só sabia da dívida que tinham com a terra e que era preciso pagar. A terra era uma prisão. Observando a aia parda que lhe atraía tanto, o velho proprietário pensou: “Que é que eu vou fazer?” Uma das sobrancelhas erguidas, bateu o cajado-estaca no chão e levantou-se: “Onde está o criado que devia responder?” A luz já não fazia parte do cenário. Seguiu-se então um confuso rumor. Eram as moscas. Na medida em que as moscas avançavam, os pombos fugiam. Confuso, o dono pediu aos pombos que voltassem submissos. Então Clara, numa voz que parecia mais um arrulho: “Seria um prazer.” E voltando-se ao anfitrião de bigode: “Posso?” O bode não responde sim: “Primeiro o peixe deve ser pescado, depois comprado.” Num sussurro simulado, a jovem olhou para o homem como se visse um condenado a morrer. “Muito obrigada, mas de fato não preciso do seu lugar.” Nisso, o menino sentiu a existência embalar seu corpo e, então, eles dois, Clara e o pequeno sertanejo, caminharam por cima das posses. Ele pôs a enxada ao ombro e seguiu lentamente a caminho da roça, até que puderam ver o capim ainda molhado de sangue. Do cenário exalava um cheiro novo, e ela reconheceu o contraste no ato. Era o sangue do soldado morto tingindo o descampado verde. O menino não sabia que a cidade existia, nem mesmo que havia um país. Ele ignorava o que eram os pintores, mas conhecia a poesia. Ao ver Clara perseguindo o xale que flutuava, enxergava também a música. A pequena era tão fria quanto a terra, e porque o céu o odiava, ele começou a sacudi-la de um lado para outro com força. Ela não opôs a menor resistência, mas seu rosto foi ficando cada vez menor, e os olhos maiores, muito grandes e verdes a ponto de se fundirem em apenas um. O olho de mulher crescia como o sol na alvorada, e o menino empregado não teve mais dúvidas. Era ela a bruxa que procuravam. No palco do desmantelo, a sombra que absolve os pecados da terra numa enorme cova. Só depois, com a falta do sonho fugaz da realidade, o herói que perdera o pai maldisse todas as onças. Nesse exato momento, a menina rosnou. Ele sabia, tristonho, que não tinha capacidade para matar a onça, mas podia tocar no segredo íntimo dela: “Em que você se transformou?” Clara respondeu: “Na sua vida, tenho certeza.” O herói finalmente chorou: “Se você realmente estivesse no meu sonho teria gostado, ouvi tantos poemas, todos sobre peixes!” Enfim, algumas horas depois eles retornaram. Pela primeira vez, pediu a morte o meu heróico infante. A menina voltaria logo para casa, tão longe dali, enquanto ele mastigava uma vida inteira para chegar ao seu destino.
publicado por Revista Literatas às 08:40 | link | comentar

O Renascentista


Aline Pereira - Rio de Janeiro

Há milénios acreditei
estar imóvel nessa bola,
com o sol e as estrelas
girando em torno dela.
Mas agora tudo se move,
eu, a bola, o sol, as estrelas.
Agora os barcos navegam do verde ao azul
e, do alto, vêem a água girar
pernas e mãos em conjunto.
Vêem que o céu está vazio,
que na Terra há muito lugar.
Então, onde a fé teve assento,
repousou a dúvida.
O universo sem ponto central
e a bola rolando comigo,
na órbita dos meus olhos.
E daquela manhã dos inícios
não houve quando não visse mais.  
publicado por Revista Literatas às 08:13 | link | comentar

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é um projeto:

 

Associação Movimento Literário Kuphaluxa

 

Dizer, fazer e sentir 

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