Quarta-feira, 12.10.11

Os melhores poetas portugueses contemporâneos

Adelto Gonçalves - Brasil

Foto: Jornal Opção

 

 

Lançada como apoio do Instituto Camões, do Instituto Por­tuguês do Livro e das Bibliotecas e do Ministério da Cultura, “Poesia Portuguesa Contemporânea” reúne produções de 26 poetas portugueses que se destacaram ao longo do século XX. Organizado pelo professor Vadim Kopyl, diretor do Centro Lusó­fono Camões da Universidade Estatal Pedagógica Hertzen, de São Petersburgo, o livro traz esclarecedor prefácio de Fernando Pinto do Amaral (1960), além de alguns poemas de sua própria autoria. Os poemas foram vertidos para o russo por tradutores do Centro Lusófono Camões com participação de Helena Gol­ubeva (como tradutora-tutora).

Não se pode dizer que esses 26 poetas são os mais representati­vos da poesia portuguesa de hoje, até porque esse tipo de aval­iação varia bastante e é susceptível de alteração, dependendo do gosto pessoal do avaliador, mas, seja como for, é inegável que todos são reconhecidos pelos críticos mais acreditados e ocupam lugar cativo nos cânones universitários de estudos de Literatura Portuguesa em Portugal e no Brasil. Muitos deles ainda estão em franca atividade, com suas obras em progresso, sob a influência dos acontecimentos deste século XXI.

Entre aqueles que ainda estavam vivos quando esta antologia foi organizada destacam-se Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) e Eugénio de Andrade (1923-2005), que estrearam na década de 1940 e praticaram uma poesia marcada pela independência em relação aos grupos que dominaram a cena literária até os anos de 1970, ou seja, o neo-realismo, o sur­realismo, o experimentalismo e outros movimentos derivados do Modernismo.

 

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Sábado, 17.09.11

“Ninguém Matou Suhura”

Eduardo Quive - Maputo

 

Para Lília Momplé e os seus pais

 

“A felicidade jamais se alcançará definitivamente; é necessário conquistá-la dia a dia, com uma inabalável esperança no futuro, mas também com os ensinamentos do sofrimento passado.”

Lília Momplé, in “Ninguém Matou Suhura”

 

 

Lília Momplé, escritora moçambicana


 

Em Ninguém Matou Suhura, Lília Momplé nos remete a uma viagem sem retorno – primeiro pela forma active que descreve os acontecimentos, levando-nos a uma constante actualização dos acontecimentos.

Ontem, esta obra foi escrita por alguém cuja pela estava cansada da opressão, da impunidade, injustiça prevaricada por uma raça branca de estrangeiros, que já se tinham tornado donos de tudo. Falo-vos dos portugueses – concretamente – o relato do que “Aconteceu em Saua – Saua”, onde a autora ilustra os fatos datados de Junho de 1935 e a Abril de 1975.

  1. 1.     “Histórias que ilustram a estória”

«Ninguém Matou Suhura» não são apenas vives que a escritora nos leva a conhecer, mas trata-se de 5 contos – estórias que ilustram a história – relatados por quem as viveu e sentiu na pela, mais do que, por uma alma feminina que nos transmite, em cada parágrafo, alma de uma mãe que vive o calvário de ver seu filho atirado aos bichos.

Que não seja só por isso, até porque a esta obra, mais do que uma denuncia e desabafo dos macabros acontecimentos da era colonial em Moçambique, vem carregada de uma energia que a leva a renovar-se todos os dias, isto é, ler Ninguém Matou Suhura, é ter em si, o poder da escrita e em mão, uma verdadeira narrativa realista com dimensão única entre nós.

Ninguém Matou Suhura, é a consagração, logo a primeira, da Lília Momplé como uma verdadeira contadora de estórias em volta da lareira – Xitiku Ni Mbaula – pela objectividade da sua obra, mas pela eficiência do seu domínio da palavra, não deixa de criar uma convulsão para antes de nos passar a mensagem, fazer com que participemos das suas emoções.

Se bem que na literatura Moçambicana, pelo menos lançando um olhar para a presença feminina muito pouco nos é fornecido em termos livros, e da sua geração menos ainda.

Ilustrar a história através deste livro foi a chegada em peso, de uma mulher nas artes escritas, depois da reconhecida “ menina corajosa” Noémia de Sousa que inspira gerações, aliás, embora esta ter se destacado por ilustrar a história com a poesia, pode-se considerar a Lília Momplé, mais um braço direito na continuidade desta linha, mas de um jeito mais atrevido, ao ter pautado pelos contos.

 

  1. 2.      Contos para arrepiar

 

 

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Quarta-feira, 31.08.11

Ungulani Ba Ka Khosa: A África que o Brasil não conhece

Ungulani Ba Ka Khosa

 

 

 

Adelto Gonçalves- Brasil

Foto: Revista Berlinda

 

I

 

Enquanto as universidades e editoras portuguesas e brasileiras, praticamente, só estudam e publicam autores africanos lusodescendentes – com as exceções de praxe, na área editorial, como a Editorial Caminho, de Lisboa, que tem tradição na área –, pouco se lê sobre romancistas, contistas e poetas africanos autóctones ou mestiços que utilizam a Língua Portuguesa como meio de expressão. E, no entanto, em poucos anos, se a Língua Portuguesa – a língua do invasor e do colonizador – quiser sobreviver no continente africano – e com ela todo o legado lusófono –, será mesmo dos autores autóctones que dependerá.

Esse incompreensível silêncio – que reflete, pelo lado português, segundo o professor Patrick Chabal, do King´s College de Londres, certa saudade colonialista ainda não superada e, pelo lado brasileiro, descomunal desconheci­mento em relação a assuntos africanos – é o que explica que um livro como Emerging Perspectives on Ungulani Ba Ka Khosa: prophet, trickster, and provacateur, preparado pelo professor Niyi Afolabi, ainda não tenha sido editado no Brasil nemem Portugal. Eque, para lê-lo, tenhamos de recorrer à edição da Africa Press World Pres, Inc., com sede em Trenton, New Jersey, EUA, e em Asmara, na Eritreia, país do Nordeste da África, antiga colônia italiana, às margens do Mar Vermelho, que se separou da Etiópia em 1991.

 

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Sábado, 09.07.11

Mario Vargas Llosa: um escritor mercenário e imbecil?

 

Victor Eustaquio - Lisboa



«Si hay un escritor mercenário de causas políticas, ese es Vargas Llosa, pero, aunque respecto al análisis político y económico es un imbécil». Apanhei a frase num curioso fórum de discussão, com uma esmagadora participação de latino-americanos, a propósito da atribuição do Nobel da Literatura ao popular autor peruano. Neste mesmo fórum, há quem mesmo que afirme que «Vargas Llosa sí se acomodó a los grupos de poder político y económicos. De hecho, el premio (o Nobel) es más geopolítico que otra cosa».

Em suma, a tendência dominante que passa por este fórum pode ser traduzida por um outro comentário que nele encontrei: «Vargas Llosa & asociados representan al golpismo y son correa de transmisión del neofascismo. Ubicar a estos personajes en la “derecha” del arco político seria cumplido ideológico. No es grave que haya oposición y escritores de derecha. Lo grave es que la abyección sea plataforma de sus princípios.» Para quem leu algumas das obras mais recentes como «A Festa do Chibo» e, inevitavelmente, «O Sonho do Celta», apenas para citar duas, estava em crer que seria evidente o posicionamento político de Vargas Llosa e o sentido da sua militância a favor de determinadas causas de ordem política, os quais, aliás, julgava eu, haviam recolhido um consenso favorável sobretudo em sociedades que experienciaram a pressão colonial. Contudo, perante estas vozes dissonantes, questiono-me: terei lido bem? Terei conseguido perceber o significado e o alcance ideológico de Vargas Llosa? É que, independentemente da representatividade das opiniões acima citadas, começo a ficar com a impressão de que há, com efeito, sinais de inquietação junto de alguns sectores da opinião pública latino-americana quanto a Vargas Llosa. E isto para não falar nas insinuações veladas, que igualmente tenho encontrado em sites de alinhamento ideológico semelhante, quanto à sua alegada e reprovável orientação sexual (como se essa dimensão também devesse ser lida como um denominador comum para a avaliação da (des) integridade moral e política do autor, quando na verdade Vargas Llosa mais não fez do que retratar uma pessoa real, o diplomata irlandês Roger Cassement em «O Sonho do Celta». Ainda assim, é interessante reflectir e pôr à discussão determinadas indefinições que Vargas Llosa não parece ter resolvido justamente em «O Sonho do Celta»: Llosa, que assume a história na terceira pessoa, como narrador distante e paradoxalmente omnisciente, não hesita em usar termos como 'colonizado' ou 'descolonização' no bloco de texto em que segue o percurso de Cassement pelo ex-Congo Belga. Ora, parece evidente que os congoleses nunca viram o seu desejo de emancipação como 'descolonização' ou a ocupação do território como obra do poder colonial, mas tão somente como 'libertação nacional' ou 'nacionalista' perante 'o agressor branco'.Significa isto que o narrador (Vargas Llosa), ao não pesar este erro de percepção entre a forma como uns e outros vêem o mesmo fenómeno, acaba por colonizar a sua própria narrativa ao produzir uma descrição irremediavelmente. Algo que o autor peruano decerto não preconiza. Ou estaremos errados? Pelo menos, uma coisa é certa: ele, Vargas Llosa, acaba por cair na armadilha. Tal como o cineasta francês Jean-Luc Godard sempre defendeu, antes de se contar uma história, é preciso vivê-la primeiro. Tentar saltar este princípio resulta sempre mal: e, não obstante a mestria com Vargas Llosa conduz a sua narrativa, no que diz respeito ao ex-Congo belga, falha redondamente o alvo.


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Tânia Tomé – o desabrochar de um canto poético

Ricardo Riso - Brasil

Nas literaturas africanas de língua portuguesa sempre houve discrepância entre a quantidade de vozes femininas atuando nas letras. No caso de Moçambique, dois nomes do período colonial durante o século XX foram de enorme relevância, falamos de Noémia de Sousa e Glória de Sant’Anna. Apesar desses dois nomes históricos, veio a independência do país em 1975 e as décadas de 1980 e 1990, mas poucos nomes femininos despontaram no panorama literário moçambicano, apesar do sucesso da prosa de Paulina Chiziane para além das fronteiras da nação.
Entretanto, onde se encontra a poesia moçambicana de autoria feminina do pós-independência, mais precisamente da virada do século XX para o XXI? Em longo artigo sobre a poesia moçambicana contemporânea, a ensaísta brasileira Carmen Lucia Tindó Secco fez as seguintes considerações:
Ao tecermos o perfil da poesia moçambicana contemporânea, detectamos uma ausência quase completa de mulheres-poetas. Ecoam ainda vozes antigas: algumas questionadas, em determinados aspectos, como a de Noémia de Sousa (...) e outras reverenciadas, entre as quais a de Glória de Sant’Anna. (...) Clotilde Silva (...) é pouco conhecida fora de Moçambique. Concluímos, assim, que, de modo geral, na produção lírica da pós-independência, não há, por enquanto, como já se delineia com visibilidade na ficção, com Paulina Chiziane, Lília Momplé e Lina Magaia, uma significativa dicção ‘no feminino’. Na poesia, o grito de ‘ser mulher’ ainda é o de Noémia de Sousa, de Glória de Sant’Anna. (SECCO, p. 299-300)
Os pertinentes comentários de Tindó Secco são confirmados quando nos deparamos com a relação de títulos publicados na edição comemorativa de 25 anos da Associação dos Escritores Moçambicanos, de 2007. Nela, constatamos a presença dos nomes poéticos consagrados no passado como Noémia de Sousa e novas vozes, casos de Clotilde Silva, Isa Manhinque, Rinkel e Sónia Sulthuane. Ou seja, é realmente tímida a presença de poetisas com a estampa do livro.
Felizmente, uma novíssima voz feminina moçambicana revelou-se neste último decênio. A consagrada cantora e declamadora Tânia Tomé, nascida em Maputo (1981), lança em 2008 o seu livro de estreia em poesia, “Agarra-me o sol por trás”, que, em 2010, ganha uma edição brasileira, agora intitulada “Agarra-me o sol por trás (e outros escritos & melodias)”, organização e prefácio de Floriano Peixoto, ilustrações de Eduardo Eloy, textos críticos de António Cabrita e Francisco Manjate, e uma entrevista da poetisa ao organizador. Trata-se de uma caprichada edição da editora paulista Escrituras, inserida na coleção Ponte Velha, que publicou anteriormente “O osso côncavo e outros poemas”, antologia poética de Luís Carlos Patraquim, “Lisbon Blues seguido de Desarmonia”, de José Luiz Tavares, e “A cabeça calva de Deus”, de Corsino Fortes. Os dois últimos são poetas cabo-verdianos.
A poesia de Tânia Tomé desvela uma nova dicção erótica prenhe em sinestesia, em que a metapoética se torna presente em uma linguagem que mostra o árduo e doloroso trabalho de sua tessitura poética, como em “Poema Impossível”: “Meu corpo impossível/ não me comas inteiro/ o possível poema/ que me subsiste/ deixa/ que deságue,/ que no abrigo/ os seus pedaços/ façam sentido./ Porque aí/ onde mais me dói escrever/ reside a alma.” (TOMÉ, p. 2010, p. 40). Desejo ininterrupto de entrega ao amor: “Não me salves, selva-me” (idem, ibidem, p. 17) e erotização moçambicanamente índica atravessando o jazzístico som do corpo do sujeito lírico: “E tu comigo, cá dentro, lá fora/ amando-me na medida do ritmo/ de um jazz cálido frenético./ Abraço do Índico, o piano/ atravessa as fronteiras que nos distam,/ recria o sopro do teu sax/ no meu corpo” (idem, ibidem, p. 48). Poesia que desabrocha um novo cântico, um novo ser a descobrir: “e não me perguntes/ quem é esta mulher/ que cresce comigo/ nas raízes profundas/ da flor do meu corpo” (idem, ibidem, p. 30).
Viagem ao âmago do ser, a poesia brota de uma vontade visceral e insana ao lapidar o “osso das palavras/ (...) uma asa cede-me a loucura/ e a noite me engole nesse desespero alucinante” (idem, ibidem, p. 13). Força criativa erotizando a linguagem, “despindo os versos um a um no centro deste poema” (idem, ibidem, p. 15), a nudez descontrolada do sujeito lírio manifesta-se na ânsia voraz de escrever, “e há um desejo insano de desfigurar a branca página” (idem, ibidem, p. 15).
Insanidade que conduzirá o sujeito lírico para se desprender da matéria à procura dos elementos do ar, signo da liberdade, da transcendência, é a poesia na busca da ampliação dos sentidos do verbo poético e surge a indagação: “Mas em que lugar da asa/ a palavra poderia ser mais bela?” (idem, ibidem, p. 41). Entretanto, não há resposta, há inquietação, há a incessante carpintaria da palavra e “o voo/ vai completamente fora/ da asa” (idem, ibidem, p. 26) para dizer o indizível. As palavras, tais quais as conhecemos, não cabem mais em seu discurso, por isso o uso de neologismos (cantoema, reflesou, amortradoxo, showesia) tenta suprir a necessidade do sujeito lírico. Sobre o sentido das palavras no poema, Octávio Paz afirma que:
“um poema que não lutasse contra a natureza das palavras, obrigando-as a ir mais além de si mesmas e de seus significados relativos, um poema que não tentasse fazê-las dizer o indizível, permaneceria uma simples manipulação verbal. O que caracteriza o poema é sua necessária dependência da palavra como sua luta por transcendê-la. (PAZ, 1972, p. 52)
E é na tentativa de expressar o indizível que as palavras transcendem imagens inusitadas em metáforas insólitas e impactantes, típicas do surrealismo, reveladas na veemência do poema “Abismo sol adentro”: “Agarra-me/ o sol/ por trás.// Escuta no vento/ a tua mão/ secreta” (TOMÉ, p. 2010, p. 19).
Em depoimento constante no livro, Tânia Tomé afirma que “a música influencia muito na minha poesia, não só nas palavras, mas na escolha das palavras que vêm a seguir, é tudo uma questão musical, é um processo muito natural” (idem, ibidem, p. 107). Seu sujeito lírico procura unir a música e a poesia para cantar a sua terra moçambicana: “Um cântico inteiro em abraços de terra nos lábios/ o poema que ainda irei escrever/ marrabentando-me/ urgente” (idem, ibidem, p. 63); no envolvimento com o seu chão e na valorização dos aspectos culturais tradicionais da dança, da música e seus instrumentos: “Na gala-gala percorrendo-me o tronco/ lentamente/ no toque das timbilas nas mãos,/ ecoando cântico chamamento dos tambores/ E no embrião dos mpipis/ mergulhados nas sílabas das cores deste sangue” (idem, ibidem, p. 55).
Pertencimento ao país que faz recordar o poeta maior José Craveirinha e o seu célebre poema “Hino à minha terra”, amor à terra que é renovado por essa jovem poetisa com o canto intitulado “Meu Moçambique”: “Eu sei-me Moçambique,/ no cume das árvores, na sede incontinente/ da minha falange, do Rovuma ao Incomati,/ no xigubo terrestre dos pés descalços/ e em todos os tambores que surdem/ das mãos coloridas nos braços em chaga” (idem, ibidem, p. 47).
“Escrevendo muhipiti/ no surrealismo do Índico” (idem, ibidem, p. 69), versa o sujeito lírico. Para além do surrealismo por vezes visceral como o de Craveirinha, encontramos ressonâncias de outros grandes poetas moçambicanos, ora nos cantos à ilha de Moçambique e referências ao Índico a recordar Rui Knopfli, ora na lírica erótica e nas citações aos elementos da natureza como o ar e a água de Eduardo White e Luís Carlos Patraquim.
Na confluência das artes que a poesia de Tânia Tomé desvela um mundo de letras sonoras, de um erotismo exacerbado e de uma entrega violenta para ressemantizar a palavra. Em suas metáforas dissonantes e viscerais, com poemas que arriscam e transmitem a inquietação de uma poetisa que procura tirar da inércia os sentidos desgastados do verbo, este “Agarra-me o sol por trás (e outros escritos & melodias)” de Tânia Tomé surge como promessa de uma voz feminina que veio para ficar na poesia moçambicana contemporânea.
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BIBLIOGRAFIA:
ASSOCIAÇÃO DOS ESCRITORES MOÇAMBICANOS. Memorial 25 anos. AEMO, 2007.
PAZ, Octavio. A consagração do instante. In: Signos em Rotação. São Paulo: Perspectiva, 1972.
SECCO, Carmen Lucia Tindó. Paisagens, memórias e sonhos na poesia moçambicana contemporânea. In: A magia das letras africanas – ensaios escolhidos sobre as literaturas de Angola e Moçambique e alguns outros diálogos. Rio de Janeiro: ABE Graph Editora, 2003. pp. 280-306
TOMÉ, Tânia. Agarra-me o sol por trás (e outros escritos & melodias). São Paulo: Escrituras Editora, 2010.
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Quarta-feira, 06.07.11

Crónicas Timorenses

Joana Ruas – Lisboa

Abordei este segundo volume da trilogia A Pedra e a Folha, ainda antes de de ter iniciado a investigação que me levaria ao primeiro volume, A Batalha das Lágrimas. Tinha entre mãos as fontes escritas e tinha ainda as que me haviam sido fornecidas e que pertenciam à tradição oral.   A análise desse material levou-me à conclusão de que uma vez concretizada a unificação administrativa do território,   em finais do século XIX, este, embora tenha continuado a estar administrativamente dividido em reinos,   esses reinos  eram assim chamados formalmente pois os seus reis haviam deixado de ser vassalos do rei de Portugal, para serem apenas súbditos, não sendo os seus reinos nem já independentes nem mesmo autónomos. Apenas um, Manufhai, ousava ainda proclamar a sua independência face ao poder central.
Constatei, pois, que a construção erguida durante séculos pela política de casados de Afonso de Albuquerque e mais tarde reforçada pela luta contra os Holandeses levada a cabo sobretudo pelos governadores pernambucanos, ruíra com as guerras de pacificação do território. Para um observador externo, a  existência colectiva do povo timorense tinha sofrido  uma descontinuidade,   pois uma vez vencido na  guerra de Manufhai,   os episódios novos que viria a sofrer já não eram  um prolongamento dos antigos. Perante estes novos dados da realidade,   olhei para o material que tinha entre mãos. Fixar a história destes povos na sua longa e perigosa marcha é extremamente difícil. Uma das razões pode ser aduzida do facto da sua vida colectiva não possuir a característica ocidental da circularidade imutável em que mesmo com retrocessos se processa uma continuidade na vivência histórica. Na verdade, havia já factores de coesão que se viriam a manifestar na Resistência ao invasor indonésio e que paradoxalmente surgiu no território com uma corrente nacionalista que estava sintonizada com os nacionalistas indonésios liderados por Sukarno na sequência da invasão nipónica.
Em A Batalha das Lágrimas a intriga, de facto, perde-se na linearidade factual dos sucessivos episódios da guerra. A intriga perde-se porque estas histórias são histórias da resistência e dos vencidos e não as dos vencedores. Nos vencidos, à excepção dos que possuem uma arte, a arte da resistência que  Dante, na Divina Comédia , define como  a capacidade de resistência às adversidades e aos inimigos políticos, tudo se dissolve no inacabado porque a espoliação de que foram vítimas lhes rouba os fios da própria existência. Havia ainda que ponderar que na nossa cultura há uma oposição entre o oral e o escrito. Nas culturas orientais essa oposição não existe. Mesmo na cultura chinesa, a oposição que existe  é entre o gesto e o discurso. Lembremos a Questão dos Ritos Chineses, essa controvérsia que se travou nos séculos XVII e XVIII, isto é de 1631 a 1743, quando se iniciava a evangelização da China. Assim, na medida em que a escrita muda a natureza da narrativa oral, pois pelo  facto de passar para a forma escrita, o texto corta as amarras que o ligavam à oralidade, chamei-lhes crónicas e não contos . Crónicas no sentido dado às Crónicas Italianas de Stendhal, pela diversidade das fontes, escritas e orais e pela liberdade de invenção no tocante aos personagens mas não aos factos que se erguem sobre fundo histórico.
Todas estas crónicas têm as suas fontes históricas assinaladas nas notas finais de cada uma delas. Entre as fontes portuguesas  não se verifica já a dispersão das fontes e dos documentos que estão na base do primeiro volume, A Batalha das Lágrimas. Ora esta concentração resulta da racionalidade imposta pela mudança  de estatuto da colónia.   Na documentação que esteve na base do 1º volume,   à medida que li todos aqueles  livros, relatórios militares,  documentação avulsa e notícias dos jornais, os personagens  foram-se-me  impondo, quer porque os autores desses documentos os consideravam heróis nacionais, fossem portugueses, goeses ou timorenses, quer porque sendo gente obscura acedeu à História por infracção, isto é, as suas vidas cruzaram-se com o Poder, passando a fazer parte dessa pluralidade de vozes que se perdem no tempo, os infames como os descreveu Michel Foucault em La Vie des Hommes Infâmes : «Vidas breves, achadas a esmo em livros e documentos».
Ora depois da pacificação do território como lhe chamou Celestino da Silva, tudo passou a ser diferente aos olhares dos observadores, militares e administrativos que relataram os acontecimentos havidos no século XX, em vésperas da 1ª Guerra Mundial: à excepção de D. Boaventura de Manufhai, não foi registado nome algum de timorense, todos passaram à categoria dos vastos e anónimos, fenómeno registado  por Rilke e mais tarde por Canetti como os «sem nome».
É minha convicção que o povo de Timor-Leste rasgou a noite de um longo sofrimento e de uma deriva histórica perigosa para a sua sobrevivência como povo até nos surpreender a todos nós Portugueses  e ao mundo inteiro tornando-se a primeira nação do século XXI, Timor Loro Sae.A sua coragem, determinação e capacidade de sofrimento foram por assim dizer a minha veste de luz, e  acolhi a inspiração que deles recebi nesses duros tempos de horror e de esperança. Indo a mais de meio do meu trabalho, apenas espero ter contribuído para a definitiva reconciliação da família timorense. Sobre tantos personagens colhidos aqui e ali apenas vos digo como Saint-Exupéry em O Principezinho :«Só se vê com o coração; o essencial é invisível aos olhos». 
  
Crónicas Timorenses — estas crónicas abrangem um período que vai de 1910 a 1965.Dada a interferência no território de vários protagonismos  quer antes quer depois da 2ª Guerra Mundial, a autora deu à progressão dessa realidade complexa a forma de contos  por se basearem em  documentação escrita e oral. São estas as crónicas: D. Manuel dos Remédios —  breve texto sobre o exílio e morte na serra de Lavater deste liberal timorense perseguido pelas autoridades militares e religiosas em 1878;  O Cofre e a Espada — a autora desenvolve e aprofunda, a partir de personagens timorenses, a trama que leva  à guerra de Manufahi  quando em Portugal vigorava o novo regime — a República. A autora segue o desenrolar deste conflito baseando-se  na obra do oficial da Armada,  Jaime do Inso, intitulada Timor-1912 ;Folhas soltas no bosque — a acção deste conto que se baseia nas informações contidas  no livro Funo-A Guerra em Timor de Carlos Cal Brandão, decorre no rescaldo da  retirada  nipónica de Timor, em Agosto de 1945; Funan-Mutin (Branca- Flor) —  a chegada dos oficiais milicianos e suas esposas a Timor-Leste, as consequências  do golpe contra Sukarno e também   sobre os ventos de mudança que se anunciavam em Portugal e nas colónias.  

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Quinta-feira, 30.06.11

POESIA E CRISE – ensaios sobre poesia brasileira

Por Marcos Siscar
Resenha por Antonio Miranda
Autor: Marcos Siscar* Poesia e Crise: ensaios sobre a "crise da poesia" como  topos da modernidade.

         A crise da poesia como um topos, como um fenômeno recorrente, lugar-comum, uma declaração retórica e reiterativa, e própria do modernismo. “Dizendo de outro modo, o discurso da crise é um dos traços fundadores da modernidade” (p. 21), é a tese de Marcos Siscar, e que guarda relação com o presente. Um bem fundamentado conjunto de ensaios, ou uma constelação de capítulos, que parte de Baudelaire e Mallarmé — desde o desmantelamento do discurso romântico que levara a poesia ao auge de sua popularidade — até o seu desdobramento no pós-modernismo.
         Siscar evoca o drama da técnica “desde o momento em que ela é reconhecida como elemento constitutivo de uma poética” (p. 61), que assume “um pacto, como tentativa de  rejuvenescimento, de atualização, de invenção” ou até de “ressurreição”, na acepção de Marinetti. Um discurso da “crise” , até porque, no entender de Siscar, nunca deixou de estar em crise (p. 53).  Com suas contradições, onde Baudelaire reage à fotografia nascente como carrasco da pintura, enquanto Marinetti (e, no nosso tempo, Augusto de Campos) celebra o advento da máquina e do progresso, o tal “drama da técnica”, dentro e fora da poesia, como reflexo do mundo ou como seu instrumento formador, “como elemento constitutivo do estabelecimento de uma poética” (p. 61). Crise em estado perene, como topos da modernidade, “a exclusão da tekhne em proveito da episteme”.  Oposição entre técnica e pensamento, falso dilema mas, como pretende, motivo da crise.  Em suma, e superando o conflito, invocando Heidegger:

         Por isso, a técnica deveria ser entendida não só como um conjunto de 
         procedimentos ou instrumentalizados pelo homem, mas como 
         maneira pela qual ele se situa, se demarca como coisa do mundo, 
         estabelecendo modos de fazer parte deste mundo
 (p. 62-63)
         Também faz uma reaproximação a Mallarmé, lamentando que o poeta do hermetismo e da experimentação seja conhecido e reconhecido por uma parte (mal) estudada de sua obra poética e menos por seus textos críticos, cuja leitura ajudaria, no entender de Siscar, a entender  melhor o autor de “Un coup de dés...”. Dedica-lhe um capítulo inteiro (p. 83 a 102 — “O túnel, o poeta e seu palácio de vidro”, escrito para integrar a edição brasileira das Divagações, de Mallarmé, a propósito da tradução feita por Fernando Scheibe, embora o poeta francês seja citado e estudado ao longo de todo o livro Poesia e crise, em quase todos os capítulos. 

         Mallarmé, segundo Michel Leiris, citado por Siscar (p. 86), criou “uma linguagem perfeitamente adequada ao seu objeto”, e, apesar das dificuldades postas à leitura de sua obra, instruiu sua comunidade e influiu sobre as gerações posteriores, notadamente no século XX. E agora está sendo republicado e reinterpretado, superando os cacoetes e lugares-comuns — repetitivos — que circulam sobre sua poética. 

         No capítulo “Poetas à beira de uma crise de nervos”, Siscar pretende analisar e desmontar a argumentação do poeta Luis Dolhnikoff de que a poesia brasileira, depois da ruptura do concretismo, rompendo a tradição do verso, estaria passando de “verbalista” a “visualista”.  Para Siscar, “o problema está mal colocado” (p. 103) e argumenta que “não se pode minimizar o fato de que a poesia brasileira nunca deixou de ser escrita em verso, apesar do abalo concretista” (p. 105). E afirma que
Mais do que isso, é notório como o próprio Concretismo guarda uma relação com o verso: Haroldo de Campos praticamente nunca o abandonou, apesar de discretas experiências de espaçamento e da exceção importante da prosa deGaláxias; Décio Pignatari voltou ao verso no início dos anos 80, e a própria poesia visual é eivada de medidas métricas tradicionais” (p. 105).
         Mas Siscar sempre retorna a Mallarmé, e nos diz que o poeta de “Un coup de dés n´abolirá le hasard”, poema fetiche do movimento concretista, já não se referia à “Crise de Vers” (p. 107) e que “historicamente o texto de Mallarmé é muito menos um epitáfio para o verso do que um elogio do verso livre”, no que este tem de atualidade (de “crise”) e de capacidade de mobilizar a tradição (p.109). E arremata, categórico: “A operação mallarmeana é muito diferente da operação destruidora e bélica das vanguardas, que deseja operar uma ruptura, um corte com a tradição” (p. 109). E encarra o raciocínio com duas afirmações válidas: a) que o visual no poema de Mallarmé, sua espacialidade na página em branco, cumpre uma função musical, e b) que o poema opera essa passagem da unidade do “verso” para a unidade da “página”:

         Os “brancos”, com efeito, assumem importância, chocam de imediato; a versificação assim o exigiu, como silêncio circundante” (p. 110), conforme as palavras do próprio Mallarmé. Mallarmé não estaria propondo uma oposição entre verbal e visual, mas uma “proximidade entre o verso e o elemento espacial, e na medida em que esse espaço designa ou figura um certo de tipo de organização do verso e da versificação” (p. 110-111).  Embora seja reconhecível que não se reduz ao verbal, que transcende. Mas Siscar logo contrapóe: “Não há fim do verso, porque não há além do verso” (p. 131).
         A questão central foi explicar a tradução de Álvaro Faleiros, recente, em contraposição à tradução (pela reinvenção) pelo concretista Haroldo de Campos de textos de Baudelaire, valendo-se da interpretação do legado de Mallarmé  à luz dos estudos filológicos e históricos.
 “Faleiros distingue termos confundidos pela tradução de Haroldo, refaz o traçado de determinadas metáforas, adota soluções menos glamorosas para nossos hábitos poéticos (como a substantivação dos verbos) a fim de enfatizar a percepção das contrariedades do poemas” (p. 125).
         Falta que alguém se disponha a fazer um estudo comparado das duas traduções para expor as supostas diferenças de enfoque e de resultados concretos nos textos resultantes. 
 Augusto de Campos e o Não

         
O capítulo “A crise do livro ou a poesia como antecipação” está dedicada ao poeta e tradutor Augusto de Campos e, mais detidamente, ao seu livro “Não” (2005), traçando um paralelo entre a proposta de Mallarmé e a do concretista em relação à “crise do verso”. Siscar, ao contrário do que se propagou (na intenção de paideuma do Concretismo), “Mallarmé não é um poeta de vanguarda, como entende o século XX” (p. 133).  Segundo Siscar, “ o poeta [Mallarmé] é entendido no universo do colapso do verso” (p. 134):  
“Entretanto, aquilo que ele tem de mais relevante técnicamente (do ponto de vista de sua leitura concretista), especialmente no poema Un coup de des, não é exatamente fruto da sintonia com as técnicas de sua época; embora a exploração da espacializacáo (ou melhor, do "espaçamento", de um certo modo da "versificação") se apresente como experimentação poética, a figura evocada naquele poema para legitimar o jogo da alternância e da interrupção é a da partitura musical, elemento eminentemente erudito, relacionado com o passado e inserido num campo semântico distinto, o da voz musical (da "Música ouvida em concerto"), com a qual Mallarmé — e também Valéry — tinha um caso de amor e ódio. O modo pelo qual a
experimentação de Mallarmé se inseria no contemporâneo era de outra ordem e, aliás, sua postura de artista não excluía a mundaneidade das visitas de cortesia e a promoção de um verdadeiro "cenáculo" intelectual, apreciado por vários artistas da época.
(p. 132)
         Siscar faz um adequado e abrangente análise da poesia de Augusto de Campos, de sua vertente poundiana da invenção, desde o seu primeiro livro (“O rei menos o reino, 1949-1951”), onde o poeta se sentia “lavrando este deserto”.
         É bom lembrar que o Concretismo surgiu no momento em que o nosso Modernismo já estava decantado e desencantado, longe do furor anti-parnasiano e do acicate anti-sonetista. Seus cultores já não se incomodavam tanto com a “restauração conservadora” da Geração de 45 e até cometiam sonetos rimados... O Concretismo dava a impressão, nos anos 50, de dar continuidade ao espírito vanguardista de 1922, mas de forma mais radical. Modernistas como Manuel Bandeira e Cassiano Ricardo, e até Carlos Drummond de Andrade, saudaram a novidade, embora, desde a Academia Brasileira de Letras, o pernambucano Olegário Mariano reagiu de forma contundente e sem fundamentos à Exposição Concreta de 1954, para citar a reação mais despropositada, mais ou menos nos mesmos termos que Monteiro Lobato reagira ao Modernismo.
         Mas aconteceram algumas polêmicas. Siscar cita a que aconteceu, tardiamente, entre Roberto Schwartz e Augusto de Campos, em 1985, mas outros intelectuais, velada ou ostensivamente, reagiram à ortodoxia do Concretismo e à suposta “morte do verso”. Lembremo-nos da reação moderada do drummondiano Affonso Romano de Sant´Anna e a escandalosa reação de Bruno Tolentino, que criticou o trabalho do tradutor concretista Augusto de Campos pela imprensa e até em livro sobre o assunto “(*1),(*2). Mas Siscar mostra que Augusto, ele mesmo, rompeu com a ortodoxia e vem se renovando constantemente. E chega a afirmar que “o rótulo de poeta já não é mais adequado e o livro quase não suporta mais tecnicamente aquilo que ainda é chamado de poema” (p. 142). E chega a ser até mais categórico: “Paradoxalmente, com o passar do tempo, a poesia de Augusto de Campos tem se tornado cada vez mais uma experimentação das potencialidades das novas técnicas e menos uma experimentação poética” (p. 144).(*3). Siscar chega a afirmar que a “invenção da “crise do verso” pelos concretistas foi um blefe produtivo, embora hoje nos pareça uma etapa vencida da história da poesia” (p. 146), tese que recoloca em cena o crítico Domingos Ferreira da Silva (*4), para quem só existe poesia no verso. Mas não podemos esquecer que o movimento do Poema Processo (Wlademir Dias-Pino entre os teóricos) foi mais longe propondo poemas sem versos e até sem palavras. Por certo, pouco antes de morrer (em 2011), Reynaldo Jardim, que foi o editor do SDJB (Suplemento Dominical do Jornal do Brasil), que abrigava os neoconcretistas, telefonou para pedir-me poemas sem palavras para uma edição que ele andava cogitando... Ou seja, tudo leva a crer que a questão do fim do verso não está encerrada, ainda que em grupos mais radicais da experimentação poética ou de sua convergência tecnológica com outras artes. Tudo indica que vamos ter, com o avanço da tecnologia da informação, poemas animaverbivocovisuais (ouanimavocovisuais), sem esquecer poetas como Joan Brossa e Fernando Amaral que fizeram e continuam produzindo “poemas visuais” com letrismo, mas não pretendem formar palavras. Ou “Não”, como sugere o título do livro de Augusto de Campos.
A Cisma da Poesia Brasileira e a questão da crítica

No capítulo sobre “A Cisma da Poesia Brasileira” disserta sobre a “hipótese da diversidade”, numa fase marcada pela “ausência de projeto coletivo”, sem ismos e fora dos movimentos que pautavam a criação e a ação poéticas. A poesia brasileira a partir dos anos 80, sem as “linhas de força mestras”, segundo Siscar, refletem uma retração ou refluxo com relação às tensões das décadas anteriores. Nos estertores das forças opostas do Concretismo e da poesia marginal, liberadas agora do engajamento político e, de certa maneira, orientadas pelas correntes liberalizantes e globalizantes em voga.  Faz referência a Cacaso, Chacal e Francisco Alvim que encarnam a geração precedente do poema da dissolução, que circulavam em suportes frágeis, fora do circuito tradicional, mas que logo foram absorvidos pelo mercado comercial do livro e das livrarias. Inclui Armando Freitas Filho e sua “antirretórica visceral”, que expressa as experimentações verbais próprias do pós-concretismo. Inclui também Orides Fontela, a “mística feminina” de Adélia Prado, com discursos mais diluídos e coloca a inventividade linguística e metafórica de Manuel de Barros e a metafísica erótica de Hilda Hilst. Lembra a polêmica em torno da poesia visual de Augusto de Campos, cuja obra permanece vigente, sobretudo mediante os recursos telemáticos. Lembra um quase manifesto de Haroldo de Campos anunciando a “poesia pós-utópica” sobre a “presentidade” (no entender de Siscar) mas que teria sido o “enterro do espírito  aventureiro da vanguarda” (p. 152).
         Estamos diante de um impasse, sem respostas aos desafios colocados pelos poetas da nova geração. A disjuntiva estaria na oposição, não superada ainda, entre a poesia semiótica e tecnológica e a poesia do cotidiano, questão sem solução no nosso entendimento.  Os casos emblemáticos de Paulo Leminiski e Ana Cristina César coroam esta divergência e convergência, pois o primeiro vem de uma experimentação amalgamática de poesia concreta, marginal e orientalista e a segunda pautou-se num discurso “dilacerante de desordem moral e estética da experiência contemporânea”(p. 156).
         Biografia e autobiografia no cenário da criação poética. Hedonismo e dissolução, síntese que Arnaldo Antunes faria ao usar tecnologias avançadas, sem abandonar o personalismo. “O poeta pode então reivindicar como matéria prática não a experiência vivida ou o espírito de experimentação formal, mas a cumplicidade poética com o insignificante, com os elementos mais “inúteis”, restos da cultura e da modernidade técnica” (p. 161) que perpassa a poesia de Manuel de Barros, mas que se amplia em muitos poetas de diferentes tendências. Como no caso de Sebastião Uchoa Leite, que também foi um tributário dos formalismos precedentes.
         Siscar não aborda a questão fundamental da poesia de feição neobarroca, autodenominada “de invenção”, que é cultuada sobretudo entre poetas que vêm da academia. Não da academia literária dos antigos, mas das universidades e que são, a um tempo, poetas e críticos, antologistas e blogueiros, e que pautam a poesia contemporânea a partir do Centro-Sul do país, através de revistas impressas e virtuais, de ensaios e eventos acadêmico-literários. Não são a maioria, mas aparecem como tal, hegemonicamente, até mesmo ignorando outras vertentes da poesia contemporânea. Traduzem, criam, publicam e criticam numa ostensiva plataforma de promoção e de auto-promoção, não raras vezes citando-se uns aos outros. Seguem uma linhagem que tem raízes latino-americanas, notadamente com o pedigree de um Lezama Lima e seu “inimigo rumor”.
         O menos conclusivo dos capítulos é certamente sobre “As desilusões da crítica de poesia”. Apregoa a cisma da poesia em relação a si mesma, mas como desconfiança de quem publica ou interpreta poesia — digamos, “a crítica”.  As aspas em “a crítica” são do próprio Siscar.
         A poesia teria empobrecido, depois do fim das vanguardas, do “pós-utópico” e perdido espaço nos suplementos literários, nas estantes das livrarias e até na autoestima dos poetas. Literatura “à deriva”, no dizer de Fábio de Souza Andrade (2004, op. cit. por Siscar), apesar da “vitalidade das revistas especializadas, das antologias, na vulgarização do gesto antológico e do artigo de situação— essas que são as tentativas de organizar o sentido de um contemporâneo carente de clareza sobre sua própria identidade” (p, 170).  Fase de desencontros, de desencantos.  A dificuldade de identificar um ou alguns poetas representativos do momento, embora as antologias tentem fazê-lo como no caso de Heloisa Buarque de Hollanda, com um titulo desorientador, mas simbólico  — “Esses poetas” — como a referir-se à coloquialidade da temática vigente.
         A poesia deve dizer a que vem? Deve formular um universo de coerência, de pedagogia, uma estratégia de ação? (p. 172).  Devemos confrontar com o tema d “As ilusões perdidas da poesia”, como cunhou Silviano Santiago? Vale ressaltar então que “Por isso, a crise da poesia deve ser pensada em paralelo com a crise que se atribuiu hoje à crítica” (p. 177).

Finalizando...

         Não podemos deixar de referir-nos ao capítulo ”A Poesia e seus fins”, em que analisa uma carta de João Cabral de Melo Neto à colega Clarice Lispector, em que revela elementos sobre sua formalização poética e em que apresenta a ideia de uma revista, e, mais adiante, onde Siscar também inclui um texto denso sobre a poesia “estelar” de Haroldo de Campos que vamos saltar e deixar aos leitores a oportunidade de desvendá-los no volume original.
         Finalmente, tem também a proposta atual (ou do fim do século) de uma “poesia de invenção”, não abordada por Siscar, de contornos não devidamente reconhecíveis pois a palavra “invenção” pretende referir-se a uma criação dissociada da realidade imediata e do mero confessionismo, para registrar um campo criativo fora do naturalismo e do realismo. Afinal, “!invenção”, na literatura sobre poesia brasileira, é uma palavra semanticamente muito poluída...
         Vamos ficar por aqui. O instigante livro de Marcos Siscar segue em capítulos sobre as “Versões da História” que mereceriam outra resenha.  Vamos concluir que a leitura do livro nos leva a crer que, hoje, ser moderno é ser ultrapassado; ser vanguardista, hoje, é ser obsoleto, formalista, geométrico, aético e profilático. Não é à toda que um poeta da novíssima geração declarou que esta dissuasão não é sua, dele... Da pós-modernidade agora passamos à hipermodernidade. Pois, pois.
________________________________________________

(1)            TOLENTINO, Bruno. Os Sapos de Ontem. A polêmica Tolentino - Campos.  É pau puro!  Rio  de Janeiro: Diadorim Editora, 1995.  120 p

(2)            Um estudo acadêmico também analisou a ortodoxia do poema concreto: CABAÑAS, Teresa.  A Poética da Inversão - representação e simulacro na poesia concreta.   Goiânia: Editora UFG, 2000.    

(3)            Quando eu estava em Buenos Aires, em 1962, participando de exposições com os grupos Madi e Inovación, de Kósice e Vigo, ao ser convidado pelo Centro de Estudios Brasileños para dar um curso sobre a poesia concreta, preferi intitular o ciclo de palestras como “Arte Verbal de Vanguardia”, evocando o princípio da integração das artes, a partir de Max Bense, e vi que tempos depois Jakobson usou este mesmo termo, mas numa acepção mais laxa. Ver: http://www.antoniomiranda.com.br/da_nirham_eros/dos_exposiciones.html

publicado por Revista Literatas às 06:54 | link | comentar | ver comentários (1)

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