O Bebé que nasceu do aborto

Dany Wambire - Beira

 

Estava assim, secretamente, decido: a Mandoessa, só e somente anicharia um feto no seu ventre caso a sua mãe desejasse. Tinha sido essa forma ― a de adiamento de gravidezes das suas filhas com recurso a plantas medicinais e com incomensurável auxílio da sua nyanga ― encontrada pela Mazalari, a progenitora da Mandoessa. A Mazalari é que era a responsável pela engravidamento da sua própria filha. Pouco valia, portanto, o período fértil da filha e a potencialidade do homem que se enroscaria nas mais profundas entranhas da sua filhinha.

Afinal de contas, tinha sido esta a pretensão da Mazalari aquando da vacinação tradicional da sua descendente: evitar uma gravidez indesejada e, consequentemente, um parto igualmente indesejado. Pois, de acordo com os costumes locais, uma mulher que já se tinha engravidado alheiamente reunia condição para não vencer um posterior casamento. Assim se pensava, assim se cumpria quase por todo regulado.

Mas a Mandoessa estava distante de se precaver desse perigo. Ela se considerava imune, protegida pelas mais pesadas raízes contra gravidezes na região. Dizia que a sua mãe foi muito atenciosa no momento que ela ameninava. Lhe tinha dado banho com água purificada com mitchi duma respeitada, secreta e inominável planta do regulado. Até ela se gabava, garbosa:

― Eu posso fazer sexo de um a trinta de cada mês sem preservativo e nunca esses homens me con­seguirão engravidar!

Na verdade, essa confiança em demasia na vacina a si aplicada aquando da sua meninice fez com a Mandoessa se entregasse de modo descuidado nos braços de qualquer homem, disposto a desfrutar o seu belo e vulgarizado corpo em acesas e apetitosas relações sexuais. Talvez foi por essa via que ela contraiu vírus de HIV, diagnosticado mais tarde.

Todavia, uma dose de entristecimento dedicara uma visitação à vida da Mandoessa por dilatado tempo. Tinha morrido a Mazalari, mãe da Mandoessa, sem conceder aos companheiros da vida um aviso prévio. No entanto, não era simplesmente a morte da velha Mazalari que fazia a Mandoessa acomodar entristecimentos. Era igualmente o facto da já perecida mãe possuir a chave que abria o seu ventre a anichar novos seres. Sim, tinha morrido a controladora do seu ventre.

De resto, a partir dessa altura continuou a se entregar aos homens de modo banal, e desprovida de esperança de um dia seu corpo constituir o berço de qualquer criatura, visto que, não conseguiria des­activar a vacina que lhe havia sido aplicada. Mas para o espanto de muitos, a Mandoessa ficou grávida de três meses logo após a morte da mãe. E nasceram mais inesperadas conclusões das pessoas que assistiam o sucedido. Uma delas, chegava a dizer:

― A mãe tinha pedido à nyanga que a sua filha devia engravidar logo após ao seu físico desapareci­mento.

Ora, o aparecimento a gravidez no interior da Mandoessa, trouxe dois sentimentos opostos, o de satisfação e de insatisfação. Estava satisfeita porque desvendou fertilidade das suas interioridades. E ficou, igualmente, insatisfeita porque a gravidez apareceu sem que ela soubesse o co-autor do feto que jazia no seu ventre. Isto porque ela admitia para o coito sexos opostos de modo descontrolado, numa autêntica promiscuidade sexual.

Foi mais forte, todavia, o segundo sentimento, o de insatisfação. A Mandoessa, portanto, entendeu que o bebé que ela inconscientemente admitira não mais devia continuar protegido no seu ventre. Então, decidiu preparar uma porção de muquina, fármaco que na região acreditavam expulsar precocemente os fetos de todos ventres.

De facto, no dia ulterior, a Mandoessa se estendeu no escasso espaço do quarto de banho. Depois, engoliu a porção do fármaco tradicionalmente preparado para facilitar abortos. Esperou, de seguida, que o seu ventre reagisse ante a acção desta muquina. Com efeito, em rápidos minutos o bebé estava saindo ― ela esperava que fosse morto. Mas o bebé não saiu completamente. Ficaram encravadas lá no seu interior os fragmentos inferiores do petiz, nomeadamente as pernas. E foi o próprio bebé que deu conta deste erro à fracassada infanticida, chorado de modo ininterrupto.

Os choros, de facto assustaram a Mandoessa, pois não esperava a vida desta criança. A criança ou o feto devia nascer morto, pronto para arremessado na latrina próxima. Ficou aflita. O problema prescin­dia as suas capacidades. Teve que solicitar uma enfermeira que de instantâneo veio segurar a vida da criança. E nascia assim a Diolinda, de forma não programada. Ademais, constatou que gravidez que a Mandoessa carregava era já de sete meses, razão pela qual bebé estava relativamente feito, acabando por completar os restantes meses no berçário.

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Dany Wambire (pseudónimo de Danito Gimo da Graça Avelino). Nasceu em 1 de Junho de 1989, no distrito de Manica, província de Manica (os seus pais são todos da província de Sofala). Tornou-se órfão bastante cedo, de pai aos 10 anos, e de mãe aos 12 anos. Desde então cresceu sob custódia da sua tia (Cristina Oliveira Garanhe Massora, irmã mais velha da sua mãe). Em 2008 tornou-se professor no distrito de Machanga, sul da província de Sofala, depois de formado pelo Instituto Nacional de Educação de Adultos – Beira (2006-2007). E foi lá onde começou a escrever, como forma de divertimento e para amparar-se dos vícios. Portanto, escreveu lá o seu primeiro livro (inédito), intitulado sugestivamente “Peripécias do Regulado de Esteve”, que tem alguns textos publicados pelo jornal OPaís e OPaís Online, desde Março de 2011.

Actualmente sou professor numa escola primária completa, algures na cidade da Beira, e estudante no 2º ano do curso de História, na UP-Beira.

publicado por Revista Literatas às 13:31 | link | comentar