“Exerço a escrita como ofício”

Amosse Mucavele- Maputo

 

Uma notícia biográfica, por ele mesmo [agosto/2000]: Cláudio Portella, 27 anos. Escritor e Poeta. Legítimo representante da vanguarda contemporâneo na poesia brasileira. Nunca pertenceu a grupos. Acredita que a poesia atual, pois para ele nada é novíssimo, possui como característica o individualismo. Não o individualismo transparente, do qual refere-se Allen Ginsberg, quando interrogado acerca do que seria nudez na poesia, e esse imediatamente tirou a roupa.

Ointimismo de Cláudio Portella, não é coeso, não é translúcido, não é emblemático, não é panfletário. Mas falho, caótico e doentio. Sua poesia busca cobrir a falsa moral, desdizer o lengalenga dos intelectuais, dos doutos que apontam os falos alheios comparando-os aos seus.

A poesia de Cláudio Portella é uma velhinha de 4000 anos, que sobe ao palco para declamar seus versos, de botas, gibão e guarda-chuva.

Entre suas publicações significativas, figura a de Choque-de-chuveiro-elétrico (poema onde trabalha o verbo algo) no Suplemento Literário de Minas, Gerais um dos mais respeitado do país.

 

Literatas: Nainfânciaqualfoi o seu primeiro con­tacto marcante com com aescrita?

 

Cláudio Portella

CLÁUDIO PORTELLA: Aos domingos costumava anotar toda a programação da TV. Eu me preparava com papel e caneta numa estante próxima à TV e ficava anotando o nome de cada programa que ía passando. Éprovável que esse tenha sido meu primeiro contato marcante com a escrita. Pensando melhor eu já naquela época estava exercendo o jornalismo. Minha literatura tem grande influência do jornalismo impresso. Tanto é que já há alguns anos venho praticando o jornalismo literário.

 

Literatas: Que espaço os livros ocupam no seu dia-a-dia? A leiturade algumaforma, influênciano seu trabalho e no seu quotidiano?

 

CLÁUDIO PORTELLA: Os livros são meus materiais de tra­balho. Trabalho com livros todos os dias. Estou sempre lendo. Ler e escrever são as atividades que mais me dão prazer. Como sou jornalista literário os livros fazem parte do meu trabalho e do meu cotidiano.

 

Literatas: Oescritor peruano Mario Vargas Llosacertavez disse o seguinte “aminhapassagem pelo jornalismo foi fundamentalcomo escritor.” Como porta-voz dasociedade você percebe naliteraturaou no jornalismo umafunção definidaou mesmo práctica?

 

CLÁUDIO PORTELLA: Creio que assim como o Vargas Llosa minha literatura tenha uma dívida com o jornalismo. Falar de uma função e da praticidade da literatura e do jornalismo não é fácil. Acredito que tanto a literatura como o jornalismo tenham muitas funções e muita praticidade. Aliteratura é mais introspecta que o jornalismo, serve mais ao espírito. O Jornalismo é mais cerebral e combativo. Tanto é que a imprenssa é tida como o quarto poder depois do Executivo, Legislativo e Judiciário.

 

Literatas: Quais são os autores imprecindiveis nas sualeituras como escritor e leitor? Equais nuncam o abandonam?

 

CLÁUDIO PORTELLA: Deste a infância sempre gostei de ler. Sou um leitor versátil. Leio os clássicos mas não me bitolo à eles. Imprecindível é uma palavra perigosa. Como leitor gosto muito da poesia de Fernando Pessoa e da prosa de Machado de Assís. Como escritor busco permanecer no meu  caminho próprio e aí não sou abandonado pelas leituras, eu as abandono.

 

Literatas: Neste mundo cadavez mais globalizado, tão afeito ao imagético, com um nívelelevado de analfa­betismo, e com umadiversidade culturalabragente. Oque te levaadedicar-se aarte de escrever numaeraonde ler um livro não é apalavrade ordem?

 

CLÁUDIO PORTELLA: Não exerço a escrita como arte, mas como ofício. Se minha profissão é escritor, então: escrevo! Se minha escrita despertar inter­esse, que leiam então.

Literatas: Oescritor angolano José Agualusadisse certavez que “o escritor africano deve sair do gheto”, sendo o escritor avoz dos que não tem voz, asuainter­venção socialnão só deve cingir-se aescritanum país com baixos niveis de leitura, o escritor deve se expor nasociedade, comungadamesmaideia? Oser escritor compensa? Equalé o papeldo escritor?

 

CLÁUDIO PORTELLA: Sou plenamente de acordo com José Agualusa. Todo escritor deve sair do gueto e mostrar a cara, dizer a que veio. O trabalho do escritor não e somente escrever, mais também participar de debates, dar ent­revistas e opinar sobre o mundo etc. Ser escritor é uma profissão recompensadora, sim! O escritor deve escrever e opinar sobre as coisas do mundo.

 

Literatas: A línguanos une, mas continuamos muito dis­tantes um do outro, em termos globais qualé o estado cliníco daliteraturade expressão portuguêsa? Eo que aliteraturado seu país recebe dos outros quadrantes lusófonos, concretamente os africanos, refiro-me aliteraturamoçambicana, angolana, guineense, cabo-verdianaetc.

 

CLÁUDIO PORTELLA: A literatura feita em língua portuguesa, sem dúvida, é uma das mais fortes. Acredito que no momento atual a litera­tura brasileira não tenha influência nenhuma da literatura africana de língua portuguesa. É lamentavel, mas o mercado editorial brasileiro desconheçe a literatura de língua portuguesa feita na África.

 

Literatas: Se em Moçambique, Angola, Cabo-Verde, São-Tomé, Timor Leste etc, o grande problema que cruz ao caminho do escritor é encontrar uma Editora onde possa publicar o seu trabalho, e em seguida alguém que compre e lê a mesma, creio que em Portugal e no Brasil acontece o inverso. Ou seja, compreende-se que as possibilidades de publicação, nesses dois países, são bem maiores que as nossas, com isso, não corre-se o risco de se ter muita obra imatura nas prateleiras. Qual a sua opinião sobre isso?

 

CLÁUDIO PORTELLA: Certamente o mercado editorial de Portugal e do Brasil oferecem maiores oportunidades de publicação que o mercado Africano. Meu primeiro livro foi publicado por uma editora de Portugal. Mas o fato desses mercados serem mais activos do que o africano não quer dizer que seja uma maravilha. Tanto em Portugal como no Brasil (acredito que ainda mais no Brasil) os escritores (sejam eles iniciantes ou veteranos) tem dificuldades de encontra­rem editoras para os seus livros. A auto publicação ainda é uma alternativa cada vez mais forte. Quanto a imaturidade dos autores e suas obras isso é uma questão que depende de mercado. É uma questão do autor saber se já está pronto ou não. Aconselho que o autor submeta sempre seu livro a avaliações antes de publicá-lo.

 

Literatas: Que obra de um escritor de qualquer quadrante do mundo que os moçambicanos deviam ler urgentemente? E como formar leitores?

 

CLÁUDIO PORTELLA: Nenhuma leitura deve ser imposta como urgente­mente necessária. Necessidade e urgência na leitura é uma descoberta pessoal e individual de cada um. Facilitando o acesso ao livro. Melho­rando a renda per capita, dimuíndo o preço do livro, levando o livro até o povo. Aqui no Brasil costumamos dizer que o artista deve ir a onde o povo está. O livro deve ir a onde o povo está. Por que não distribuír bons livros para o povo?

publicado por Revista Literatas às 11:21 | link | comentar