Burocracia x sociedade

                                                                                                                                                     Adelto Adelto Gonçalves (*)

                                                           I

            No século 19, os pensadores liberais imaginavam que, com o desenvolvimento da livre empresa, a função do Estado iria se reduzir ao mínimo, pois a evolução da espécie humana seria espontânea. Os anarquistas também idealizavam um mundo em que as grandes questões seriam resolvidas pela livre discussão e o Estado ficaria cada vez menor até sumir. Os comunistas, que fizeram do Estado instrumento para a tomada do poder em nome dos operários e camponeses, acreditavam (ou fingiam acreditar) que, com o socialismo, o Estado seria pulverizado, até o seu lento desaparecimento.

            Como se sabe, nenhuma dessas previsões se confirmou. O Estado está cada vez mais forte e, nas mãos de tiranos – que geralmente não passam de pessoas medíocres, malvadas e extremamente egoístas, que costumam acumular riqueza em paraísos fiscais ou na velha Suíça –, torna-se o Leviatã imaginado pelo filósofo inglês Hobbes (1587-1666), sempre pronto a ajudar os mais favorecidos, em detrimento das massas marginalizadas, seguindo as recomendações da oligarquia financeira transnacional.

            Como disse o poeta e pensador mexicano Octavio Paz (1914-1998), no ensaio “El ogro filantrópico” (1978), o Estado moderno constitui uma superestrutura de grandes empresas, sindicatos empresariais, centrais sindicais (que representam muitos interesses, menos os dos trabalhadores em nome dos quais atuam) e uma burocracia que vive em contínua relação com os grupos com os quais compartilha o domínio da máquina estatal. Por isso, segundo Paz, o Estado moderno é hoje uma máquina, mas uma máquina que se reproduz sem cessar.

            Portanto, o grande desafio de hoje, ao menos daqueles que ainda têm um pouco de consciência social, é imaginar formas de impedir que a máquina estatal – a nível federal, estadual ou municipal – seja tornada refém dos interesses de empreiteiros e políticos ávidos por obras públicas que, muitas vezes, nenhuma finalidade social têm. Não é a toa que lemos nos jornais tantas notícias sobre obras superfaturadas, prédios, pontes, rodovias e viadutos que não foram concluídos e viraram monstrengos urbanos, dinheiro desviado de fins mais nobres, como merenda escolar e compra de medicamentos, e toda a sorte de patifaria que o despudor humano pode imaginar.

            Fazer com que a burocracia tenha maior integração com a sociedade é uma luta cada vez mais vã, pois o natural é que a máquina administrativa se adapte aos interesses dos políticos e dos partidos que assumem o poder. E, como ninguém chega ao poder por força de seus próprios recursos financeiros, é preciso satisfazer àqueles que financiam a campanha. Em outras palavras: empresas ou empreiteiros precisam ganhar licitações arranjadas e arrematar contratos superfaturados para que não só tenham altos lucros e possam crescer como ainda manter um fundo de caixa para financiar outros políticos e novas campanhas.

            Assim segue o Estado patrimonialista, de que falava o pensador alemão Max Weber (1864-1920), em que famílias ou clãs dominam os negócios que seriam públicos. E a sociedade como fica? Ora, periodicamente, é chamada para coonestar eleições manipuladas pela força do dinheiro. No resto do tempo, fica esquecida porque fora do Estado não há nada nem ninguém.

            

 

publicado por Revista Literatas às 08:29 | link | comentar