Sexta-feira, 15.07.11

Realizar

Pedro Du Bois - Itapema

Realizo o sonho ao destino
ofertado. Retiro a irrealidade
e a contemplo em matéria
rio do segredo
descubro
avanço o tempo
à semeadura
e retorno em colheitas
a casa serve ao senhor
o estio ao crescimento da planta
depois do cultivo
sobre a terra
em inundações lavo a sombra
da irrealidade. Deposito
diante do homem
a sobra na satisfação
             do todo.
publicado por Revista Literatas às 06:14 | link | comentar

Malês

Geraldo Lima - Brasil
 

Pelas ruas de São Paulo, seguindo-a. Um negro em seu encalço. Assustada? Passos lépidos, ancas envolventes: uma princesa nagô, sem dúvida alguma. 

 

— Luíza Mahim. Senhora Luíza Mahim! 

 

Aproveitou a multidão e estacou. Uma princesa nagô, não tenho dúvida. 

 

— Que merda é essa! Não me chamo Luíza... 

 

— Mahim... Luíza Mahim, mãe de Luiz Gama...  

 

Perplexa. Querendo entender e não podendo. 

 

— Lembra-se dos malês? O Recôncavo Baiano, o quintal da sua casa... 

 

Já havia virado as costas, aborrecida. Fez assim com uma das mãos, como se dissesse: cada maluco que me aparece. 

 

Não a segui mais. Que se fosse, desconhecendo quem realmente era. Havia outras. Mais dia menos dia, uma se apresentaria diante de nós, uma princesa nagô: 

 

— Senhores, é por aqui. Eis o meu quintal... Vamos começar tudo de novo.
 

 


 

 

Geraldo Lima é autor dos livros A noite dos vagalumes (contos, Prêmio Bolsa Brasília de Produção Literária, FCDF), Baque (contos, LGE Editora/FAC), Nuvem muda a todo instante (infantil, LGE Editora),  UM (romance, LGE Editora/FAC), Tesselário (minicontos, Selo 3 x4, Editora Multifoco, 2011) e Trinta gatos e um cão envenenado (peça de teatro, Ponteio Edições, 2011). É colunista dos sites: O BULE www.o-bule.com e Portal Entretextos www.portalentretextos.com.br e do Jornal de Sobradinho http://emicles.blogspot.com/; Colabora com o Jornal Opção, em Goiânia, GO, e com a revista TriploV www.triplov.com. Mantém o blog BAQUE www.baque-blogdogeraldolima.blogspot.com.br email: gera.lima@brturbo.com.br Twitter: @gerassanto.com    
publicado por Revista Literatas às 06:10 | link | comentar

Vista A Minha Pele

Silas Correia Leite - Itararé


Para Júlio Hendrix Silva Rodrigues

 

 

Assuma a minha cor
Seja você quem for
Capture radicalmente a minha dor
Bem lá dentro de mim
E procure me compreender melhor assim

Vista a minha pele
Eu sou igualzinho a você
Ser Humano, porque
Corpo, Mente, Banzo, Coração
Então questione racismo e discriminação

Vista a minha pele
Sou vermelho por dentro
E negro sempre cem por cento
Afrobrasilis, Afrodescendente
Muito além de para sempre
Inteiramente ser humano e sobretudo gente

Vista a minha pele
Vista-se epidermicamente de mim
E procure me entender como seu igual assim
Seu irmão da humana cósmica raça
E sinta tudo o que dentro de mim se passa

Assim você muito bem confere
Assim você vai realmente se sentir
Lá dentro da minha própria pele
Como eu quero ser árvore de leite e florir
Como eu quero ser janela de pão e me abrir
Como eu quero ser estrada de açúcar e prosseguir
Como eu quero o fim de diáporas e sorrir
Sem nenhum branco para me ferir
E você vai captar essencialmente então
A verdadeira pureza do que é primordial
E o que eu quero é total libertação
E todos iguais na aquarela da coloração
Numa brasileiríssima democracia racial

Vista a minha pele
Seja um pouco eu mesmo um negrão aí
Dentro de você - Para você sentir
Sou preto brasileirinho
Sou negrão e sou negrinho
Sou Negro e Ser Humano de igual valor
E tenho a África nas moendas e engenhos no meu interior

Depois de me vestir e depois de se sair de si
Deixando de ser eu negro aí
Venha me estender a sua mão
E, de coração para coração
Abrace-me como um seu completo irmão
A pele espiritual sendo uma só então
Numa sagrada e sideral celebração.

 

publicado por Revista Literatas às 06:06 | link | comentar
Quarta-feira, 06.07.11

Emiliano José convidado desta edição do projecto "Com a palavra o escritor"

publicado por Revista Literatas às 03:33 | link | comentar
Quinta-feira, 30.06.11

Vovó Zumbi

Luana Mccain – Brasil


     Era hora de dormir. Eu e meus irmãos tivemos um dia muuuuuito agitado. Primeiro, vovó levou a gente no parque
de diversões. Depois, no cinema. Assistimos Um dia com a vovó zumbi. Por mais que o titulo fosse
aaaaaaaassustador, o filme era de aventura.

               - Meus amores, já está na hora de dormir.
            - Vovó, a gente vai embora amanhã... não queria... foi legal passar as férias aqui – disse meu irmão
do meio, com aquela vozinha de sempre.
               - Eu também – os olhos da minha irmãzinha se encheram de lágrimas.

               Revirei os olhos.

               - Vovó, antes de dormir, eu posso comer aquele bolo de nozes que cê fez hoje de manhã?

               Ela fez uma cara pensativa. Segundos depois, falou com aquela calmaria de sempre:

              - Hmmm não, não pode. Você acabou de escovar os dentes.
              - Mas...
              - Na na ni na não.
              - Vovó, quero água – disse meu irmão do meio.
              - E eu tô com sede – falou minha irmãzinha.
              - Venham. Eu levo vocês.

              E eles foram. Só eu fiquei no quarto.
              Dez minutos depois.
              E a casa estava um puro silêncio. Senti uma intensa vontade de descer na cozinha e ver o que os três
estavam fazendo. Era sempre assim: vovó realizava os desejos daquelas malinhas e eu sempre ficava de fora.
            Fui pra cozinha, quietinho da silva. Eu queria pegar eles de surpresa. Um passo. Dois passos. Três...
e na porta da cozinha estava minha irmãzinha de cócoras e cabeça baixa. Eu cutuquei ela e nenhuma resposta. Peguei
ela pelos cabelos e enoooooooooooooorme foi o meu susto, eu vi ela sem os olhos e a sua língua caiu nos meus pés.
             Dei um pulo pra trás. Eu queria chorar, mas não conseguia. Virei pra cozinha e meu irmão estava
diante da pia comendo o bolo de nozes, mas atrás dele estava a vovó, com uns dentes-monstros, super afiados,
pronto pra abocanhar a cabeça  dele.

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publicado por Revista Literatas às 07:02 | link | comentar

Teatro

Nilton Pavin* - Brasil


Furtaram o pseudônimo do ator.
Delinquência de ação nefasta,
Tórrida intriga burra, insensata.
Código soslaio de pavor, louvor

Minuta de um ente protuberante
Que agoniza na vida pústula,
Intenção maligna de uma fístula
Reinante em um submundo rutilante

Filmico de sensível infausto
Repleto de atos e rumo funesto
De uma vida simples e inclemente

Reluz de um ato vil e sincrético,
Ao transformar o mundo maléfico
Em um pandemônio atroz e inerente




__________________________________________________
*Nilton Pavin é jornalista profissional com 28 anos de experiência, fotógrafo, professor universitário e consultor de comunicação corporativa. Tem sete livros publicados. Formou-se em jornalismo pela UMESP, fez Pós-graduação em Planejamento Estratégico em Comunicação na UMESP, com o tema de tese “Comunicação Corporativa, a ferramenta para consolidar a empresa no Novo Mercado”. É também mestre em Comunicação Empresarial pela UMESP com o tema de dissertação “Comunicação e Governança Corporativa: a informação on-line das empresas do Novo Mercado com o investidor pessoa física”. Atualmente é diretor da Annapurna Editora, idealizador e editor do site que reúne assuntos de interesse das áreas de Comunicação Empresarial e Governança Corporativa.

Foi editor executivo das revistas Notícias Pirelli, Revista Imprensa e Imprensa Mídia, Revista Offshore, Revista Náutica, Mar, Vela & Motor, Guia 4 Rodas, Revista Horizonte Geográfico e Revista do Explorador. Colaborou com as seguintes publicações: Duas Rodas, Oficina Mecânica, Veículos Importados, Caros Amigos, Globo Ciência, Superinteressante e rádio Eldorado.
O site www.photopress.com.br reúne seu acervo fotográfico, que é composto por mais de 8 mil imagens de diversos países e do Brasil. Viajou para mais de 30 países e é autor da exposição itinerante (2004 a 2011) “Os Paraísos Proibidos do Himalaia”, organizado pelo Serviço Social da Indústria – SESI/SP.

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publicado por Revista Literatas às 07:01 | link | comentar | ver comentários (1)

POESIA E CRISE – ensaios sobre poesia brasileira

Por Marcos Siscar
Resenha por Antonio Miranda
Autor: Marcos Siscar* Poesia e Crise: ensaios sobre a "crise da poesia" como  topos da modernidade.

         A crise da poesia como um topos, como um fenômeno recorrente, lugar-comum, uma declaração retórica e reiterativa, e própria do modernismo. “Dizendo de outro modo, o discurso da crise é um dos traços fundadores da modernidade” (p. 21), é a tese de Marcos Siscar, e que guarda relação com o presente. Um bem fundamentado conjunto de ensaios, ou uma constelação de capítulos, que parte de Baudelaire e Mallarmé — desde o desmantelamento do discurso romântico que levara a poesia ao auge de sua popularidade — até o seu desdobramento no pós-modernismo.
         Siscar evoca o drama da técnica “desde o momento em que ela é reconhecida como elemento constitutivo de uma poética” (p. 61), que assume “um pacto, como tentativa de  rejuvenescimento, de atualização, de invenção” ou até de “ressurreição”, na acepção de Marinetti. Um discurso da “crise” , até porque, no entender de Siscar, nunca deixou de estar em crise (p. 53).  Com suas contradições, onde Baudelaire reage à fotografia nascente como carrasco da pintura, enquanto Marinetti (e, no nosso tempo, Augusto de Campos) celebra o advento da máquina e do progresso, o tal “drama da técnica”, dentro e fora da poesia, como reflexo do mundo ou como seu instrumento formador, “como elemento constitutivo do estabelecimento de uma poética” (p. 61). Crise em estado perene, como topos da modernidade, “a exclusão da tekhne em proveito da episteme”.  Oposição entre técnica e pensamento, falso dilema mas, como pretende, motivo da crise.  Em suma, e superando o conflito, invocando Heidegger:

         Por isso, a técnica deveria ser entendida não só como um conjunto de 
         procedimentos ou instrumentalizados pelo homem, mas como 
         maneira pela qual ele se situa, se demarca como coisa do mundo, 
         estabelecendo modos de fazer parte deste mundo
 (p. 62-63)
         Também faz uma reaproximação a Mallarmé, lamentando que o poeta do hermetismo e da experimentação seja conhecido e reconhecido por uma parte (mal) estudada de sua obra poética e menos por seus textos críticos, cuja leitura ajudaria, no entender de Siscar, a entender  melhor o autor de “Un coup de dés...”. Dedica-lhe um capítulo inteiro (p. 83 a 102 — “O túnel, o poeta e seu palácio de vidro”, escrito para integrar a edição brasileira das Divagações, de Mallarmé, a propósito da tradução feita por Fernando Scheibe, embora o poeta francês seja citado e estudado ao longo de todo o livro Poesia e crise, em quase todos os capítulos. 

         Mallarmé, segundo Michel Leiris, citado por Siscar (p. 86), criou “uma linguagem perfeitamente adequada ao seu objeto”, e, apesar das dificuldades postas à leitura de sua obra, instruiu sua comunidade e influiu sobre as gerações posteriores, notadamente no século XX. E agora está sendo republicado e reinterpretado, superando os cacoetes e lugares-comuns — repetitivos — que circulam sobre sua poética. 

         No capítulo “Poetas à beira de uma crise de nervos”, Siscar pretende analisar e desmontar a argumentação do poeta Luis Dolhnikoff de que a poesia brasileira, depois da ruptura do concretismo, rompendo a tradição do verso, estaria passando de “verbalista” a “visualista”.  Para Siscar, “o problema está mal colocado” (p. 103) e argumenta que “não se pode minimizar o fato de que a poesia brasileira nunca deixou de ser escrita em verso, apesar do abalo concretista” (p. 105). E afirma que
Mais do que isso, é notório como o próprio Concretismo guarda uma relação com o verso: Haroldo de Campos praticamente nunca o abandonou, apesar de discretas experiências de espaçamento e da exceção importante da prosa deGaláxias; Décio Pignatari voltou ao verso no início dos anos 80, e a própria poesia visual é eivada de medidas métricas tradicionais” (p. 105).
         Mas Siscar sempre retorna a Mallarmé, e nos diz que o poeta de “Un coup de dés n´abolirá le hasard”, poema fetiche do movimento concretista, já não se referia à “Crise de Vers” (p. 107) e que “historicamente o texto de Mallarmé é muito menos um epitáfio para o verso do que um elogio do verso livre”, no que este tem de atualidade (de “crise”) e de capacidade de mobilizar a tradição (p.109). E arremata, categórico: “A operação mallarmeana é muito diferente da operação destruidora e bélica das vanguardas, que deseja operar uma ruptura, um corte com a tradição” (p. 109). E encarra o raciocínio com duas afirmações válidas: a) que o visual no poema de Mallarmé, sua espacialidade na página em branco, cumpre uma função musical, e b) que o poema opera essa passagem da unidade do “verso” para a unidade da “página”:

         Os “brancos”, com efeito, assumem importância, chocam de imediato; a versificação assim o exigiu, como silêncio circundante” (p. 110), conforme as palavras do próprio Mallarmé. Mallarmé não estaria propondo uma oposição entre verbal e visual, mas uma “proximidade entre o verso e o elemento espacial, e na medida em que esse espaço designa ou figura um certo de tipo de organização do verso e da versificação” (p. 110-111).  Embora seja reconhecível que não se reduz ao verbal, que transcende. Mas Siscar logo contrapóe: “Não há fim do verso, porque não há além do verso” (p. 131).
         A questão central foi explicar a tradução de Álvaro Faleiros, recente, em contraposição à tradução (pela reinvenção) pelo concretista Haroldo de Campos de textos de Baudelaire, valendo-se da interpretação do legado de Mallarmé  à luz dos estudos filológicos e históricos.
 “Faleiros distingue termos confundidos pela tradução de Haroldo, refaz o traçado de determinadas metáforas, adota soluções menos glamorosas para nossos hábitos poéticos (como a substantivação dos verbos) a fim de enfatizar a percepção das contrariedades do poemas” (p. 125).
         Falta que alguém se disponha a fazer um estudo comparado das duas traduções para expor as supostas diferenças de enfoque e de resultados concretos nos textos resultantes. 
 Augusto de Campos e o Não

         
O capítulo “A crise do livro ou a poesia como antecipação” está dedicada ao poeta e tradutor Augusto de Campos e, mais detidamente, ao seu livro “Não” (2005), traçando um paralelo entre a proposta de Mallarmé e a do concretista em relação à “crise do verso”. Siscar, ao contrário do que se propagou (na intenção de paideuma do Concretismo), “Mallarmé não é um poeta de vanguarda, como entende o século XX” (p. 133).  Segundo Siscar, “ o poeta [Mallarmé] é entendido no universo do colapso do verso” (p. 134):  
“Entretanto, aquilo que ele tem de mais relevante técnicamente (do ponto de vista de sua leitura concretista), especialmente no poema Un coup de des, não é exatamente fruto da sintonia com as técnicas de sua época; embora a exploração da espacializacáo (ou melhor, do "espaçamento", de um certo modo da "versificação") se apresente como experimentação poética, a figura evocada naquele poema para legitimar o jogo da alternância e da interrupção é a da partitura musical, elemento eminentemente erudito, relacionado com o passado e inserido num campo semântico distinto, o da voz musical (da "Música ouvida em concerto"), com a qual Mallarmé — e também Valéry — tinha um caso de amor e ódio. O modo pelo qual a
experimentação de Mallarmé se inseria no contemporâneo era de outra ordem e, aliás, sua postura de artista não excluía a mundaneidade das visitas de cortesia e a promoção de um verdadeiro "cenáculo" intelectual, apreciado por vários artistas da época.
(p. 132)
         Siscar faz um adequado e abrangente análise da poesia de Augusto de Campos, de sua vertente poundiana da invenção, desde o seu primeiro livro (“O rei menos o reino, 1949-1951”), onde o poeta se sentia “lavrando este deserto”.
         É bom lembrar que o Concretismo surgiu no momento em que o nosso Modernismo já estava decantado e desencantado, longe do furor anti-parnasiano e do acicate anti-sonetista. Seus cultores já não se incomodavam tanto com a “restauração conservadora” da Geração de 45 e até cometiam sonetos rimados... O Concretismo dava a impressão, nos anos 50, de dar continuidade ao espírito vanguardista de 1922, mas de forma mais radical. Modernistas como Manuel Bandeira e Cassiano Ricardo, e até Carlos Drummond de Andrade, saudaram a novidade, embora, desde a Academia Brasileira de Letras, o pernambucano Olegário Mariano reagiu de forma contundente e sem fundamentos à Exposição Concreta de 1954, para citar a reação mais despropositada, mais ou menos nos mesmos termos que Monteiro Lobato reagira ao Modernismo.
         Mas aconteceram algumas polêmicas. Siscar cita a que aconteceu, tardiamente, entre Roberto Schwartz e Augusto de Campos, em 1985, mas outros intelectuais, velada ou ostensivamente, reagiram à ortodoxia do Concretismo e à suposta “morte do verso”. Lembremo-nos da reação moderada do drummondiano Affonso Romano de Sant´Anna e a escandalosa reação de Bruno Tolentino, que criticou o trabalho do tradutor concretista Augusto de Campos pela imprensa e até em livro sobre o assunto “(*1),(*2). Mas Siscar mostra que Augusto, ele mesmo, rompeu com a ortodoxia e vem se renovando constantemente. E chega a afirmar que “o rótulo de poeta já não é mais adequado e o livro quase não suporta mais tecnicamente aquilo que ainda é chamado de poema” (p. 142). E chega a ser até mais categórico: “Paradoxalmente, com o passar do tempo, a poesia de Augusto de Campos tem se tornado cada vez mais uma experimentação das potencialidades das novas técnicas e menos uma experimentação poética” (p. 144).(*3). Siscar chega a afirmar que a “invenção da “crise do verso” pelos concretistas foi um blefe produtivo, embora hoje nos pareça uma etapa vencida da história da poesia” (p. 146), tese que recoloca em cena o crítico Domingos Ferreira da Silva (*4), para quem só existe poesia no verso. Mas não podemos esquecer que o movimento do Poema Processo (Wlademir Dias-Pino entre os teóricos) foi mais longe propondo poemas sem versos e até sem palavras. Por certo, pouco antes de morrer (em 2011), Reynaldo Jardim, que foi o editor do SDJB (Suplemento Dominical do Jornal do Brasil), que abrigava os neoconcretistas, telefonou para pedir-me poemas sem palavras para uma edição que ele andava cogitando... Ou seja, tudo leva a crer que a questão do fim do verso não está encerrada, ainda que em grupos mais radicais da experimentação poética ou de sua convergência tecnológica com outras artes. Tudo indica que vamos ter, com o avanço da tecnologia da informação, poemas animaverbivocovisuais (ouanimavocovisuais), sem esquecer poetas como Joan Brossa e Fernando Amaral que fizeram e continuam produzindo “poemas visuais” com letrismo, mas não pretendem formar palavras. Ou “Não”, como sugere o título do livro de Augusto de Campos.
A Cisma da Poesia Brasileira e a questão da crítica

No capítulo sobre “A Cisma da Poesia Brasileira” disserta sobre a “hipótese da diversidade”, numa fase marcada pela “ausência de projeto coletivo”, sem ismos e fora dos movimentos que pautavam a criação e a ação poéticas. A poesia brasileira a partir dos anos 80, sem as “linhas de força mestras”, segundo Siscar, refletem uma retração ou refluxo com relação às tensões das décadas anteriores. Nos estertores das forças opostas do Concretismo e da poesia marginal, liberadas agora do engajamento político e, de certa maneira, orientadas pelas correntes liberalizantes e globalizantes em voga.  Faz referência a Cacaso, Chacal e Francisco Alvim que encarnam a geração precedente do poema da dissolução, que circulavam em suportes frágeis, fora do circuito tradicional, mas que logo foram absorvidos pelo mercado comercial do livro e das livrarias. Inclui Armando Freitas Filho e sua “antirretórica visceral”, que expressa as experimentações verbais próprias do pós-concretismo. Inclui também Orides Fontela, a “mística feminina” de Adélia Prado, com discursos mais diluídos e coloca a inventividade linguística e metafórica de Manuel de Barros e a metafísica erótica de Hilda Hilst. Lembra a polêmica em torno da poesia visual de Augusto de Campos, cuja obra permanece vigente, sobretudo mediante os recursos telemáticos. Lembra um quase manifesto de Haroldo de Campos anunciando a “poesia pós-utópica” sobre a “presentidade” (no entender de Siscar) mas que teria sido o “enterro do espírito  aventureiro da vanguarda” (p. 152).
         Estamos diante de um impasse, sem respostas aos desafios colocados pelos poetas da nova geração. A disjuntiva estaria na oposição, não superada ainda, entre a poesia semiótica e tecnológica e a poesia do cotidiano, questão sem solução no nosso entendimento.  Os casos emblemáticos de Paulo Leminiski e Ana Cristina César coroam esta divergência e convergência, pois o primeiro vem de uma experimentação amalgamática de poesia concreta, marginal e orientalista e a segunda pautou-se num discurso “dilacerante de desordem moral e estética da experiência contemporânea”(p. 156).
         Biografia e autobiografia no cenário da criação poética. Hedonismo e dissolução, síntese que Arnaldo Antunes faria ao usar tecnologias avançadas, sem abandonar o personalismo. “O poeta pode então reivindicar como matéria prática não a experiência vivida ou o espírito de experimentação formal, mas a cumplicidade poética com o insignificante, com os elementos mais “inúteis”, restos da cultura e da modernidade técnica” (p. 161) que perpassa a poesia de Manuel de Barros, mas que se amplia em muitos poetas de diferentes tendências. Como no caso de Sebastião Uchoa Leite, que também foi um tributário dos formalismos precedentes.
         Siscar não aborda a questão fundamental da poesia de feição neobarroca, autodenominada “de invenção”, que é cultuada sobretudo entre poetas que vêm da academia. Não da academia literária dos antigos, mas das universidades e que são, a um tempo, poetas e críticos, antologistas e blogueiros, e que pautam a poesia contemporânea a partir do Centro-Sul do país, através de revistas impressas e virtuais, de ensaios e eventos acadêmico-literários. Não são a maioria, mas aparecem como tal, hegemonicamente, até mesmo ignorando outras vertentes da poesia contemporânea. Traduzem, criam, publicam e criticam numa ostensiva plataforma de promoção e de auto-promoção, não raras vezes citando-se uns aos outros. Seguem uma linhagem que tem raízes latino-americanas, notadamente com o pedigree de um Lezama Lima e seu “inimigo rumor”.
         O menos conclusivo dos capítulos é certamente sobre “As desilusões da crítica de poesia”. Apregoa a cisma da poesia em relação a si mesma, mas como desconfiança de quem publica ou interpreta poesia — digamos, “a crítica”.  As aspas em “a crítica” são do próprio Siscar.
         A poesia teria empobrecido, depois do fim das vanguardas, do “pós-utópico” e perdido espaço nos suplementos literários, nas estantes das livrarias e até na autoestima dos poetas. Literatura “à deriva”, no dizer de Fábio de Souza Andrade (2004, op. cit. por Siscar), apesar da “vitalidade das revistas especializadas, das antologias, na vulgarização do gesto antológico e do artigo de situação— essas que são as tentativas de organizar o sentido de um contemporâneo carente de clareza sobre sua própria identidade” (p, 170).  Fase de desencontros, de desencantos.  A dificuldade de identificar um ou alguns poetas representativos do momento, embora as antologias tentem fazê-lo como no caso de Heloisa Buarque de Hollanda, com um titulo desorientador, mas simbólico  — “Esses poetas” — como a referir-se à coloquialidade da temática vigente.
         A poesia deve dizer a que vem? Deve formular um universo de coerência, de pedagogia, uma estratégia de ação? (p. 172).  Devemos confrontar com o tema d “As ilusões perdidas da poesia”, como cunhou Silviano Santiago? Vale ressaltar então que “Por isso, a crise da poesia deve ser pensada em paralelo com a crise que se atribuiu hoje à crítica” (p. 177).

Finalizando...

         Não podemos deixar de referir-nos ao capítulo ”A Poesia e seus fins”, em que analisa uma carta de João Cabral de Melo Neto à colega Clarice Lispector, em que revela elementos sobre sua formalização poética e em que apresenta a ideia de uma revista, e, mais adiante, onde Siscar também inclui um texto denso sobre a poesia “estelar” de Haroldo de Campos que vamos saltar e deixar aos leitores a oportunidade de desvendá-los no volume original.
         Finalmente, tem também a proposta atual (ou do fim do século) de uma “poesia de invenção”, não abordada por Siscar, de contornos não devidamente reconhecíveis pois a palavra “invenção” pretende referir-se a uma criação dissociada da realidade imediata e do mero confessionismo, para registrar um campo criativo fora do naturalismo e do realismo. Afinal, “!invenção”, na literatura sobre poesia brasileira, é uma palavra semanticamente muito poluída...
         Vamos ficar por aqui. O instigante livro de Marcos Siscar segue em capítulos sobre as “Versões da História” que mereceriam outra resenha.  Vamos concluir que a leitura do livro nos leva a crer que, hoje, ser moderno é ser ultrapassado; ser vanguardista, hoje, é ser obsoleto, formalista, geométrico, aético e profilático. Não é à toda que um poeta da novíssima geração declarou que esta dissuasão não é sua, dele... Da pós-modernidade agora passamos à hipermodernidade. Pois, pois.
________________________________________________

(1)            TOLENTINO, Bruno. Os Sapos de Ontem. A polêmica Tolentino - Campos.  É pau puro!  Rio  de Janeiro: Diadorim Editora, 1995.  120 p

(2)            Um estudo acadêmico também analisou a ortodoxia do poema concreto: CABAÑAS, Teresa.  A Poética da Inversão - representação e simulacro na poesia concreta.   Goiânia: Editora UFG, 2000.    

(3)            Quando eu estava em Buenos Aires, em 1962, participando de exposições com os grupos Madi e Inovación, de Kósice e Vigo, ao ser convidado pelo Centro de Estudios Brasileños para dar um curso sobre a poesia concreta, preferi intitular o ciclo de palestras como “Arte Verbal de Vanguardia”, evocando o princípio da integração das artes, a partir de Max Bense, e vi que tempos depois Jakobson usou este mesmo termo, mas numa acepção mais laxa. Ver: http://www.antoniomiranda.com.br/da_nirham_eros/dos_exposiciones.html

publicado por Revista Literatas às 06:54 | link | comentar | ver comentários (1)

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