Sexta-feira, 09.09.11

RECOBRAR

Pedro Du Bois - Brasil

 

Recobro a razão aos tantos anos

deixo de lado o esbulho

trabalhoso dos horários

e me solto em meses

antes naufragados.

Retorno ao horizonte

observável das promessas.

Abdico do direito

de ser a sociedade

concentrada em gestos.

Palmilho espaços descompassados

e me aproprio do caminho.

Devolvo cada pedra ao desenho anterior.

publicado por Revista Literatas às 18:29 | link | comentar
Quinta-feira, 25.08.11

Canção Terceira

António Névada - Cabo Verde
A Bia Didial
(canto à semeadura) 
I
Não venho para redimir ou semear,
não viemos para colher ou situar.
Oluar fragmenta-se,
os momentos tecem o peso
e não viemos para escolher, corroer ou perpetuar,
e nem as coisas preservam
o caudal dos tempos,
ou inutilmente pensamos, estimamos o afluente da dor.
Não venho para criar ou garantir,
não viemos para aumentar ou instaurar. Cada enxugo ou rega,
cada filho dizendo,
dizendo a morte e a sina nossa,
a cada filho o condão da rememoração.
E se dizemos hoje dizendo cantos,
é porque dizendo hoje temperamos o espírito!
Ontem
descemos as encostas
e bebemos a água da fonte,
a semeadura foi abençoada pelo poente,
pela poesia e pelo bater do tambor,
e bendizemos o corpo vago,
as fraquezas,
alguns troços de alma.
Hoje
sentamos à soleira da porta
e dizemos hoje dizendo cantos,
porque dizendo hoje diremos o vento
à porta da aldeia,
cantamos a terra ou o verso e rima.
Diremos a morte, a sensação de inexistência
[que nos perturba.
E o homem
cultiva sobre a terra estéril,
e sobre ela ajoelha-se
para louvar ou barafustar,
para louvar ou possuir
o dom dos deuses.
Homem que espera a consumação
e o volume da vida,
homem que habita os seios da madrugada
ou os cios, cios nossos
e do tempo horto.
Será que vivemos,
sobrevivemos,
para estabelecer a causalidade da morte?
Ou o mundo é a rua toda,
o regadio e a impunidade?
A rua toda, almas famintas,
o afluente da dor?
Nas palmeiras,
no oráculo e em voz branda,
assumimos o cântico, dispensamos o corpo,
e alagamos a ubiquidade.
As ondas banham a alvorada,
a areia reagrupa a linguagem,
e a terra semeia o ramo e o suco.
A alma vai com o vento,
o infindável manto oculta as imagens,
e as árvores da humanidade
caminham sem frutos
sem raízes de imbondeiro.
Cantos, breves cantos
ó demência toda!
publicado por Revista Literatas às 12:13 | link | comentar

Encantado silêncio das areias de Maputo

Bárbara Lia - Brasil
Entre estrelas
entre algas
entre brancos lençóis
e paredes brancas.
Vermelha viagem da vida nas veias.
Instante que precede ao nascimento,
também à morte.
A morte é um silêncio suspenso
e o sol, um silêncio vermelho.
Nuvens em seu passeio
diante da janela deste apartamento.
Tem uma sinfonia em tons vários
a gritar – Silêncio!
Silencio.
Branca, como estrelas e algas.
Passeio brancas areias de Maputo,
olhando ao redor em busca de Mia Couto
ansiando que ele me ensine a estrondar
o encanto.
in Noir (2006)
publicado por Revista Literatas às 11:55 | link | comentar
Terça-feira, 26.07.11

Éramos criança

Francisco Júnior - Maputo

crianças


apadrinhados pela fome,
isolados do banquete.

De camisetas de umbigo fora
jeans rasgados
mas não era moda,
era a desgraça debuxada
em nosso semi nu corpo.

Pálidos, desnutridos
enterrados no areal
na roda de matocozana
em equipas para jogar xingufa
sorridentes brincávamos.

Éramos crianças.

publicado por Revista Literatas às 10:47 | link | comentar

Coração em Leilão

Jessemusse  Cacinda – Nampula

 

Quero dispir verdades com a minha caneta

Quero este poema recitar em todo planeta

Eis que sabereis vós que é a procura de perfeição

Que vou mesmo leiloar o meu coração

 

Mereço ser completamente amado

Como os Deuses altamente adorado

Sem limites considerado

Como qualquer, um respeitado

 

Vou pô-lo em leilão

O meu espiritualista coração

Não me num simples louvor

Mas este coração vai para quem me der mais amor

 

Em vossas mãos entrego este coração

Dêm muito amor porque está em leilão

Procura duma moça amadora

 Que neste circuito de leilões será sem dúvidas a vencedora

publicado por Revista Literatas às 10:33 | link | comentar
Sexta-feira, 15.07.11

Realizar

Pedro Du Bois - Itapema

Realizo o sonho ao destino
ofertado. Retiro a irrealidade
e a contemplo em matéria
rio do segredo
descubro
avanço o tempo
à semeadura
e retorno em colheitas
a casa serve ao senhor
o estio ao crescimento da planta
depois do cultivo
sobre a terra
em inundações lavo a sombra
da irrealidade. Deposito
diante do homem
a sobra na satisfação
             do todo.
publicado por Revista Literatas às 06:14 | link | comentar

Vista A Minha Pele

Silas Correia Leite - Itararé


Para Júlio Hendrix Silva Rodrigues

 

 

Assuma a minha cor
Seja você quem for
Capture radicalmente a minha dor
Bem lá dentro de mim
E procure me compreender melhor assim

Vista a minha pele
Eu sou igualzinho a você
Ser Humano, porque
Corpo, Mente, Banzo, Coração
Então questione racismo e discriminação

Vista a minha pele
Sou vermelho por dentro
E negro sempre cem por cento
Afrobrasilis, Afrodescendente
Muito além de para sempre
Inteiramente ser humano e sobretudo gente

Vista a minha pele
Vista-se epidermicamente de mim
E procure me entender como seu igual assim
Seu irmão da humana cósmica raça
E sinta tudo o que dentro de mim se passa

Assim você muito bem confere
Assim você vai realmente se sentir
Lá dentro da minha própria pele
Como eu quero ser árvore de leite e florir
Como eu quero ser janela de pão e me abrir
Como eu quero ser estrada de açúcar e prosseguir
Como eu quero o fim de diáporas e sorrir
Sem nenhum branco para me ferir
E você vai captar essencialmente então
A verdadeira pureza do que é primordial
E o que eu quero é total libertação
E todos iguais na aquarela da coloração
Numa brasileiríssima democracia racial

Vista a minha pele
Seja um pouco eu mesmo um negrão aí
Dentro de você - Para você sentir
Sou preto brasileirinho
Sou negrão e sou negrinho
Sou Negro e Ser Humano de igual valor
E tenho a África nas moendas e engenhos no meu interior

Depois de me vestir e depois de se sair de si
Deixando de ser eu negro aí
Venha me estender a sua mão
E, de coração para coração
Abrace-me como um seu completo irmão
A pele espiritual sendo uma só então
Numa sagrada e sideral celebração.

 

publicado por Revista Literatas às 06:06 | link | comentar

A Revista Literatas

é um projeto:

 

Associação Movimento Literário Kuphaluxa

 

Dizer, fazer e sentir 

a Literatura

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