Quarta-feira, 27.07.11

Nkaringana wa Nkaringana...

Xiguiana da Luz - Maputo

 

O meu avô contou-me uma estória em volta da lareira, em changana, chamado Xitiku Ni Mbaula, falou-me do misterioso Ngungunhane, o último Imperador de Gaza, homem de tamanho assustador, grandeza dos deuses, algo inexplicável entre os humanos. Gordo, barrigudo, barbudo, cheio de banhas e manhas que o faziam ngungunhar por todas terras do vasto império. Tinha tudo quanto queria.


O meu avô alongava e dramatizava o quanto podia. Secundado pela minha mãe. Tudo ka xitiku ni mbaula. Em volta da fogueira. E foi prosseguindo. Um dia os portugueses invadiram o império. A sua dinastia estava ameaçada. Tinha mandado os homens mais fortes que lhe serviam de guarda vital, para caçar uma e única andorinha que lhe lançou uma cagadinha enquanto esticava a sua barriga em baixo dum Mpama.

 

publicado por Revista Literatas às 11:02 | link | comentar
Sábado, 09.07.11

Revista Literatas distribuído por e-mail todas as terças-feiras

- Até o primeiro trimestre de 2012 será impressa

 

Ao fundarmos o Movimento Literário Kuphaluxa, nos finais de 2009 no Centro Cultural Brasil Moçambique em Maputo, tínhamos apenas um propósito: juntar jovens amantes da literatura para aprender as directivas correctas para nos guiar nos caminhos da arte de escrita.

 

Era o fim de um curso de Literatura Brasileira no CCBM. Acabávamos de aprender sobre as várias correntes e vertentes da literatura de um país, cujo povo é irmão e na sua escrita, encontramos um “Grito Negro”. Mas também, para além da cor, que não tem nada a ver com os nossos objectivos. A arte deste povo, pelos vestígios africanos, muito se assemelha à nossa expressão literária.

 

Pouco mais de dez jovens uniram-se. Criaram o Kuphaluxa, já com vários objectivos definidos, dentre eles, a promoção e desenvolvimento da literatura moçambicana; o intercâmbio entre as duas literatura – Brasil - Moçambique – mais tarde contemplando, igualmente, as literaturas de outros países de expressão portuguesa.

 

Mas é não é disso que pretendo versar neste artigo. Quero trazer a boa nova – sentimento por palavra – como mandam as regras da boa arte de escrita em literatura. Temos que dizer, mas não basta, temos que também fazer, porque isso não faria sentido, sem sentimento, acabamos compondo o slogan “Dizer, Fazer e Sentir a Literatura.”

 

Isso nos fez criar este espaço. A revista Literatas. Onde possamos “Dizer, Fazer e Sentir a Literatura” entre povos da mesma língua, munidos pela mesma arte. O mesmo vaio a ser criado em Janeiro do ano em curso e me foi incumbida a missão de cuidá-lo. Disseminá-lo e envolver vários jovens do meu País que muito bem escrevem, mas não lhes cabe um espaço nos vários espaços, que na verdade são poucos, na praça.

 

Volvidos os seis meses, Literatas cresceu, alterou, mudou e agora se pretende transformar. Eu disse transformar? Creio que tenha sido por força da emoção. Na verdade, é mais um passo, rumo ao destino que desde o princípio almejamos – fazer uma revista impressa, que todos jovens do País e da CPLP tivessem acesso. Sonho grande, mas não impossível!

 

Lamentamos o facto de ainda não termos colaboradores em Angola, Cabo Verde, Guiné – Bissau, Timor – Leste e São Tomé e Príncipe. Isto é, a revista Literatas, tem por enquanto, pessoas a colaborar no Brasil, Portugal e Moçambique – isto nos preocupa.

 

Desde já, informamos aos amigos desta iniciativa, aos estimados e especiais leitores, aos honrados colaboradores, apoiantes e simpatizantes desta iniciativa, que a partir do dia 12 de Julho, marcamos um passo para uma nova história no nosso Movimento Literário ena revista. Literatas, passará para o formato electrónico. Vamos passar a ser um semanário que às terças-feiras será enviado por e-mail.

 

Ainda nessas mudanças, passaremos a imprimir pelo menos a capa para distribuir em várias instituições de artes e cultura, bem como em escolas secundárias e universidades. Pena que com os nossos fundos só podemos fazer a impressão para a capital moçambicana. Mas por e-mail, a revista vai circular em vários países, através dos contactos que temos e os receptores, poderão imprimir e ou encaminhar para amigos.

 

Como me referi, este é um ensaio para a provável impressão da revista, a partir do primeiro trimestre do próximo ano.

 

Desde já, estão convidados os interessados em receber a revista no formato electrónico, podem requisitá-lo em qualquer um dos nossos e-mails: kuphaluxa@gmail.com ou canaldoreporter@gmail.com .

 

Esperamos continuar dignos da vossa colaboração, parceira e amizade. Tudo pela arte. Tudo pela literatura.

 

O Editor

 

Eduardo Quive

E-mail: eduardoquive@gmail.com

publicado por Revista Literatas às 06:35 | link | comentar | ver comentários (5)

O Primeiro cliente

Eduardo Quive - Maputo
O Primeiro Cliente

Puta – disse o homem empenhando a a mão com mil quilogramas de porrada no rosto da mulher sexista. Tal mulher era Kotile. Menina que antes fora de terras que a honravam, com toda dignidade e esperança.

Era ainda o seu primeiro homem. Antes nenhum a tocara com tanta ousadia. Kotile percebera a vingança da vida na Rua Araújo e a traição da cidade grande que fora dos seus sonhos. Ka Pfumo não era nada. Antes se chamasse qualquer coisa. Mas que não fosse como se chamava. Mas Maputo é nome parecido com Puta. Embora não seja a razão.

Medinho, fora esse tal homem que com ousadia e macheza olhou para Kotile na Rua Araújo como pessoa digna da sua compra, para garantir a sua o sucesso do seu primeiro dia laboral’

Era sexta-feira. Dia 13. Dia das bruxas. Bruxas femininas. Os machos são bruxos, por isso que parecera um homem. Agora é assim mesmo. É emancipação até na bruxaria.

Nos corredores daquela rua, pisavam-se as lágrimas silenciosas da Kotila, circulava com mine saias, cujo tamanho não era digno de se chamar de mine saia. Parecia uma pura roupa interior. Pura porque era mesmo quase que um espelho lambido pelo orvalho. Se via tudo. Tudo mesmo.

Kotile era donzela, com pernas perpendiculares e ancas particulares. Não eram ainda dignos de destaque, mas os homens viam e viram. Os passos da sua inocência, ainda que transportassem a timidez da sua pele e o ardor do seu coração, pela pouca-vergonha, chamavam e atraiam a clientela. Que fazer. Coisas do coração não se vê. Diziam sempre a Tia Destina com o seu português pacato. “Vamos fazer mais como. É assim mesmo nwananga…”

Em instantes de câmara lenta, Kotile lembrara-se desses dizeres.

-          Filha o corpo de uma mulher assusta. I ma singita!

E a maré subia. Kotile choravam para casear os remorsos e a raiva do tempo. As lembranças que não deslembram. A verdade que não se omite e a realidade eminente. Era seu dia de sexo. Seria na Rua Araújo. No quintal de aluguer nos guardas da cidade. Ou na escadaria das ruínas da baixa. Onde ela baixava as saias para fingir que vestiu-se de saia. Mas não era nada. Era nudez e pouca-vergonha. Batom carregado fazendo os seus lábios de sangue seco. Resultado de muita sangração e dolorosa dor. Os olhos pintados a lápis de carvão, rimavam com o choro dos mochos sem abrigo e desabrigados nos ramos do Tunduro que cai e descai velho.

Aproxima-se medinho e despensa apresentações da dama!

-          Quanto é que é…?

Calou-se Kotile. Levantou o nariz e fingiu que respirava com vida. Mas o homem persistia e cada vez mais insistia. Como se fosse um acto de conquista.

Enfiou a mão pelas curvas das bem aventuranças e esmagou-lhe com força e dureza.

Kotile forçava-se a não reagir. Mas as mãos do homem foram mais longe. Medinho era homem macho. Fazia parte dos melhores da casa. Era cliente das noites da pouca vergonha. Todas o conheciam pela sua dureza, mas também, for quem tinha a missão de receber as novatas.

O destino traíra Kotile e o homem. Medinho fora o escolhido para receber a encomenda que caíra das bandas do Nkomane, nas margens de lá, onde Deus livrou-se dos homens e libertou os defuntos. Mortos que desafiaram os poderes da eternidade. Ou morriam para sempre se não quisessem viver para sempre. Advinha o que escolheram? Viver para sempre. Tombaram num inverno e noutro ressuscitaram com vinganças. Queriam vidas e mais vidas para que as profecias se concretizassem. Quais profecias? Que Nkomane não for a destinado aos vivos temporárias. Era para os viventes das eternidades.

Aos passos da recusa. Viu-se, Kotile, obrigada a encostar a parede e Medinho avançou-se com rapidez da água para o interior. Chegava ao ponto do alcance da pureza. Lá onde as mine saias já não conseguem proteger perante a sua masculinidade.

-          Ni tsiki! – Gritou Kotile sem mais suportar tal acto de obrigação sexual – mussatanhoku. Não me toques!

-          O qué. Sabes quem sou? Medinho. Nenhuma mulher nega-me nestas bandas e não serás a primeira. Puta! - Apressou-se para a porrada com a mão possuída por forças já antes vistas de si.

Kotile consentiu-se em instantes de silêncio no chão. Fora a primeira-mão a lhe roçar o rosto com tamanha força. Sente com muita dor os efeitos da bofetada. Pensa em silêncio mortífero. Em algum momento acredita que não tem mais dentes. As axilas não se sentem e a língua pareceu ter abandonado a sua boca. Cospe sangue e lágrimas fervidas. Chora. Mas é tudo em vão.

publicado por Revista Literatas às 04:15 | link | comentar | ver comentários (1)
Quinta-feira, 30.06.11

O Apocalipse

Eduardo Quive - Maputo
Apocalipse
Muitos adivinhos já não sabiam nada do que acontecia em Deus me Livre!
Nenhum adivinho podia adivinhar tudo que se passava em volta do apocalíptico momento que pusera em apuros a antiga terra sagrada.
Podia espaçar-se muito no meio daquele nhima-nhima, que se instalou nas terras dos deuses, sem se quer distribuir minutos de tolerância. Os sacerdotes ainda tentavam dizer alguma coisa.
-          Mãe de misericórdia, mãe do Salvador, assista-nos nesta última agonia que se aproxima. – E ainda apelavam as multidões que fizessem qualquer reza.
-          - Orai irmãos, ao Deus nosso senhor.
Por outro lado ouviam-se gritos de socorros e nhandayeyos. Ninguém podia rezar, no lugar de agir com própria confiança e esperteza.
-          Já o demos oportunidade de fazer alguma coisa e nada fez. Deus que mata nunca dera vida!
-          Quantas vezes os nossos filhos, pais, irmãos, tios e sobrinhos, gritaram o nome desse Deus tal, antes que estas terras os levasse para as profundezas do além?
-          Orai vocês mesmos pelas vossas próprias vidas e aproveitem para dizer a Ele para se preparar, porque daqui a pouco estas terras que criou com a própria mão, vão me levar para junto dele e vou o matar pela segunda vez e será para sempre…sem ressurreições.
O antigo sacerdote exigia do seu próprio criador que dissesse a verdade às massas – “morrereis pelos vossos pecados” – E assim parecia ser.
Os homens que antes confiavam nas suas mãos para fazer alguma coisa já o faziam com os pés. Corriam como se fossem aves…velocidade por demasio desespero.
Tudo acontecia em jeito de “nunca vi”. Crianças que nasciam em cima de árvores. Ndambini que o diga, nascera por baixo do céu, onde todos homens se escondem quando estão nus.
A sua mãe esquecera no meio da correnteza das águas assassinas, toda esperança: casa, roupa, comida, patos e etc. esquecera também das dívidas e da pobreza.
Subiu na árvore com a barriga de que dependia sua filha antes de sair. Todos ficaram a conhecer o Deus me livre que se passava do tempo.
Os Cabrais deixavam também debaixo do solo que engoliu as nossas vidas: dinheiro e herança, fortunas e projectos de lucros fartos. Mas levaram com sigo os terrores do seu racismo que sempre se fez presente na pele dos pretos que os serviam. Em troca de quê? Em troca de torturas.
E o rei Ngonhama, ainda não tinha partido para seu eterno destino. Feiticeiros, curandeiros e adivinhos o protegiam.
Na altura, pairavam dizeres sobre leões que habitavam nas florestas das redondezas e que pertenciam a sua dinastia.
Todos eles eram parte do seu corpo e cada homem que matavam, a ele fortaleciam.
Não eram apenas falácias. Muitos foram os que confirmaram. Malaquias, for a exemplo dos que com a sua carne, os leões deram vida ao rei. Viu seu traseiro espetado aos caninos dos indomáveis. Também ficou ferra, mas ferra de ferido. Morreu. Depois de ter passado setenta e duas horas em delírios de dor. Dormia de barriga, mas podia se alimentar. Não podia. Porque ele é que era o alimento. Comida do Rei Ngonhama.
Dizia-se também que a vila do Leproso era outra parte da sua vida, enraizada nas terras mais selvagens do continente, até o Mwamulambo, cobra dos deuses, se rendia ao temido homem com curvas dos diabos.
Todos os feiticeiros, curandeiros e adivinhos o protegiam. Até os sacerdotes invocavam o seu nome na hora das bênçãos.
Todos viventes sabiam porque tinha que desaparecer mensalmente do seu lar, alguns bois e donzelas. Eram para seus Nhamussoros. Os seus Nhankwaves. Alimentando o seu obscurantismo.
E cada vez mais se engolia a terra que antes fora sagrada.
Ninguém estava para justificar alguns acontecimentos que registavam-se em jeito de Swo Suketana swiku… sim. Tudo tal como diziam as lendas. De repente…
Do Deus me livre, tal como os deuses se livraram, os homens também se iam na maior estranheza.
Cada segundo uma vida entregava-se ao inferno. Pouco a pouco Deus me livre livrava-se de gente. Ficava terra do Nada. Ninguém já habitava o lugar.

publicado por Revista Literatas às 07:31 | link | comentar | ver comentários (1)

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