Muitas todas Palavras

Carta de leitor sobre o livro “A Cidade Subterrânea” de Élio Mudender

 

Japone Arijuane - Maputo

 

 

“O meu grande sonho é libertar esta terra da boca dos predadores...

Elevar bem alto o nome de Moçam­bique.

Içar a bandeira e voar além-mar”

Pag.67, in “A cidade Subterrânea”: Élio M. Mudender

 

A Cidade Subterrânea é, sem dúvida alguma, um dos maiores livros lançado em Moçambique na era contemporânea. A irreverência subversiva de como são tratados os factos, fazem desta obra uma obra no sentido nobre da criatividade humana, este “Romance” consegue transmitir o sentimento de revolta no espinho da flor da pele, que certamente contagia o leitor: a rebelião frustrada, a oportunidade fracassada. Revela-se na construção do enredo, algo que até certo ponto põe em causa a questão do belo literário, mas que vai culminar com objectivo-mor do autor, denunciar os males e a corrupção da camada política (Frelimo) que rege as regras no espaço onde a narrativa decorre (Quelimane).

 

 

(...) A Zambézia já chegou a ser a maior produtora de copra do mundo. O maior celeiro de Moçambique. A província mais rica do país, para a mais pobre. Os seus recursos mineiros, suas pedras preciosas, a sua madeira estão sendo explorados por mãos chinesas e outras estrangeiras, enco­bertas por um punhado de gente oculta, mas que são cabeças chaves do partido no poder (...) ....Quem empobrece essa parcela do país? Os próprios zambezianos ou os Tubarões da Política? A verdade é uma: cada dia que passa, está a fundando como um Titanic sendo engolido pela fúria dum iceberg (...) pag.:49 e 50

 

Romance como o identifica a capa, mas, numa aná­lise mais profunda atingir-se-á um verdadeiro festi­val de géneros literários, desde a Poesia, com maior enfoque nas falas do autor, a crónica pela ênfase de como são tratados os assuntos, a Prosa pela descrição narrativamente rica que a obra nos apresenta, e outros mais a desvendar, aliás, como diz Calane da Silva: os géneros literários comparam-se pela mesma imensidão das estrelas no céu numa noite clara, mas não é essa miscelânea de géneros que se pretende tratar aqui, mas sim o conteúdo literário, a viagem literária, que Élio M. Mudender nos sugere, viagem essa que exige uma motivação franca, desprovida de qualquer preconceito de censura, tendo em conta que as paisagens desta viagem são sujas de pobreza e embriagadas de má – governação e que o destino é nada mais que a cidade de Quelimane, uma cidade com responsabilidade de capital de uma vasta Zambézia a tamanho semelhante aos seus recursos naturais, nos quais são distribuídos injustamente, aliás, injustamente, não são distribuídos estão na posse de uma minoria, que vai fazendo da sua riqueza a pobreza de um povo.

Mudender, emprenha-se deste facto verídico, que inunda este pedaço da pátria amada, pérola do indico, para parir, como manifesto de um cidadão sensível e cansado de engolir sapos e poeira, a obra que por si só justifica o actual estágio (d)a cidade Subterrânea de Quelimane.

Esta obra é e será por muito tempo um epicentro da inspiração revolucionária na construção de um Moçambique, principalmente Zambézia (Quelimane), que ainda paira nas mentes inconformadas pela esta politica do dia, aliás, da noite, já que tudo esta subter­râneo. Como os dizeres do autor ilustram: “Construir ou destruir Não sei dar conselhos nem dizer palavras boni­tas Muito menos escrever versos de amor Mas sei alertar aos meus compatriotas que limpem a poeira nos seus sapatos para não cometerem erros políticos devastado­res”. Isto mostra-nos claramente que, acima de tudo, a função primordial desta obra é, como espinha dorsal, chamar atenção a consciência humana, principalmente a consciência política na governação justa e direita, onde os discursos “políticos” sejam proporcionais as convivências dos moçambicanos, principalmente os mais injustiçados, na opinião de muitos e do autor, os zambezianos matxuabo (s) da cidade Subterrânea de Quelimane.

 

(...) disse um desconhecido, olhando para mim, em jeito de emprestar conversa.

- Não sirvo para queixas. - Respondi-lhe, num tom irónico.

-Estó brincar, patrão – Respondeu pedindo desculpas.

-Não se preocupe, mano. Isto está realmente podre.

-Não sei o que é que esses gajos estão a fazer.

- Esses quem?

-Esses mesmos que você esta pensar. (Riu-se copiosamente). Pag.:37

(...) – Que pena! Gente inocente.

-O colonialismo se já foi. A guerra de Djakama se já foi. Agora estamos sofrer muito pior. Assim não vale penas viver. A vida como está aqui, não vale. Isto aqui não é viver.

-É viver... mas é um viver que nem não é nada.... É sofrimento só. Pag.: 40

 

A Maneira simplesmente complexa como são colo­cados os capítulos, seguidos de frase de queixarias, da mais percepção e brilho literário, e uma possível divisão de responsabilidades entre o autor e os autores citados. “A cidade Subterrânea” inaugura uma nova forma de escrever, sem temor, sem pre­conceito de censura, mais também encontra na obra uma autêntica irreverência não só pelo conteúdo: fragmentos frustrados da moral religiosa, politica e social, mas na erupção com as regras gramaticais, e no carregamento da oralidade com seus erros para a escrita, apesar de essa última não ser aqui tomada como primordial, mas fazem desta obra, uma subter­rânea obra na essência do belo literário, uma verda­deira literatura de vanguarda, embrulhada em versos que não só querem mostrar a estética mais sim o conteúdo, fazendo desta uma arte engajada e simul­taneamente arte pela arte. É, na verdade, como me referi anteriormente um género novo, dirão alguns que são crónicas, mas existe uma história dorsal, que vai tecendo as ideias na construção daquilo que poderá se chamar, aliás, já foi chamado Romance.

Dado este todo arsenal literário, que pretende com­bater a corrupção, má – governação, Inveja, o nar­cotráfico, A Não – distribuição de recursos naturais, Criminalidade, em suma a soterração das cidades moçambicanas, estamos perante a um manancial de criatividade humana nos momentos mais cruciais, quando são postos em causa os direitos primeiros de um povo. Mudender toma a voz de um todo, faz da sua a voz de todos, a voz que sentiu na pela e no coração os dotes desta desgovernação no seu cumulo, para dizer NÃO abertamente aos ricos que são fabricados por esta pobreza.

É comeste manto (Pobreza absolutada) que o autor se cobre, para denunciar o mal, angústia, a raiva de todo um povo. E vai fazendo deste livro o eco de um por cento daquilo que se vive realmente na “Cidade Subterrânea” de Quelimane, Zambézia e Moçam­bique no geral.

 

publicado por Revista Literatas às 15:24 | link | comentar