Lurdes Breda: Apaixonada pelas palavras

Redacção Literatas

 

Na infância, qual foi o seu primeiro contacto marcante com a escrita?

 

Foi na escola, com a descoberta dos diversos textos literários e respectivos autores, assim como com a elaboração de composições: a aprendizagem do uso e do poder da palavra aliados à imaginação.

 

Que espaço os livros ocupam no seu dia-a-dia? A leitura, de alguma forma, influencia o seu trabalho e o seu quotidiano?

Os livros ocupam um papel de extrema importância na minha vida e a leitura é fundamental para a minha evolução e realização, que pessoal quer profissional, enquanto escritora.

 

O escritor peruano Mario Vargas Llosa certa vez disse o seguinte “a minha passagem pelo jornalismo foi fundamental como escritor”. Como porta-voz da sociedade você percebe na literatura ou no jornalismo uma função definida ou mesmo prática?

 

A literatura e o jornalismo, embora em paradigmas diferentes e cada qual utilizando metodologias próprias podem, por vezes, complementar-se. Dependendo do género literário e da forma como é trabalhado o jornalismo, pode existir, com certeza, uma função prática, sobretudo, neste último, uma vez que se deve pautar pela objectividade e rigor na informação. A literatura, no meu ponto de vista, tem uma função mais estética e subjectiva, embora mesmo através da literariedade se possa veicular determinadas mensagens mais ou menos práticas.

 

 

Quais são os autores imprescindíveis nas sua leituras como escritor e leitor e que nunca o abandonam?

 

Tenho uma formação literária muito influenciada pelos autores clássicos portugueses, em especial os do século XIX: Eça de Queiroz, Júlio Dinis e Trindade Coelho. Li ainda Florbela Espanca, Fernando Pessoa e os seus heterónimos, Miguel Torga e Sophia de Mello Breyner Andersen. Na literatura estrangeira, destaco Léon Tolstói, Alexandre Dumas, Gabriel García Márquez e Mia Couto.

 

Neste mundo cada vez mais globalizado, tão afeito ao imagético, com um nível elevado de analfabetismo e com uma diversidade cultural abrangente, o que te leva a dedicar à arte de escrever numa era onde ler um livro não é a palavra de ordem?

 

Sobretudo, a paixão das e pelas palavras… O acreditar que escrever e ler continuam a ser a base essencial para a formação do ser humano. Além disso, consequência da globalização e da evolução das novas tecnologias da informação e da comunicação, é possível aliar a escrita e a leitura a novas ferramentas como enriquecimento e incentivo à sua (re)descoberta. Um livro pode ser um alimento para a alma… Escrever é uma arte. Uma arte que deve ser cultivada como uma flor delicada. Só assim poderá desabrochar na sua plenitude.

 

O escritor angolano José Agualusa disse, certa vez, que “o escritor africano deve sair do gueto”, sendo o escritor a voz dos que não têm voz, a sua intervenção social não só deve cingir-se à escrita num país com baixos níveis de leitura, o escritor deve se expor na sociedade, comunga da mesma ideia? O ser escritor compensa? E qual é o papel do escritor?

 

Penso que a literatura pode ter uma função social e catártica importantes. O escritor tem, por isso, um papel fundamental na sociedade. O carisma do escritor pode, inclusivamente, influir na forma como a sua obra é vista e até na generalidade da literatura perante o leitor. Pode fazer a diferença na defesa de determinadas causas. Se o escritor ama a sua arte, por mais provações que experimente, se consegue fazer passar, no todo ou em parte, a sua mensagem, então compensa ser escritor.

 

A língua une-nos, mas continuamos muito distantes uns dos outros, em termos globais, qual é o estado clínico da literatura de expressão portuguesa? E o que a literatura do seu país recebe dos outros quadrantes lusófonos, concretamente os africanos, refiro-me à literatura moçambicana, angolana, guineense, cabo-verdiana etc.?

 

Penso que cada vez mais, possivelmente por influência da globalização e consequente inter e multiculturalidade entre os países de Língua Portuguesa, os autores africanos têm um maior reconhecimento, neste caso,em Portugal. Talveztambém pelo próprio “peso” que o escritor vai tendo no seu país de origem e que perpassa fronteiras.

 

Se em Moçambique, Angola, Cabo-Verde, São-Tomé, Timor Leste etc. o grande problema que cruza o caminho do escritor é encontrar uma editora onde possa publicar o seu trabalho, e em seguida alguém que compre e leia a mesma, creio que em Portugal e no Brasil acontece o inverso. Ou seja, compreende-se que as possibilidades de publicação nesses dois países são bem maiores do que as nossas, não se corre o risco de se ter muita obra imatura nas prateleiras. Qual a sua opinião sobre isso?

 

Em Portugal, ao contrário do que possa pensar, não é assim tão fácil editar. Por outro lado, há expedientes e editoras que proliferam com a vontade do autorem editar. Muitasvezes a obra não é criteriosamente avaliada ou clivada para edição, o que significa a introdução no mercado de obras paraliterárias a par com as obras literárias.

 

Que obra de um escritor de qualquer quadrante do mundo que os moçambicanos deviam ler urgentemente? E como formar leitores?

 

Penso que Mia Couto é uma excelente escolha e um escritor que todos deveriam ler, independentemente da nacionalidade. E é um bom exemplo de que um autor africano é reconhecido no exterior. Quanto a formar leitores, acho que se deve sempre passar a mensagem de que ler deve ser um prazer, uma viagem a nós mesmos e a mundos de outra forma inacessíveis. Deve alimentar-se a magia…

 

 

publicado por Revista Literatas às 17:26 | link | comentar