Rui de Noronha

Escritor moçambicano, António Rui de Noronha, nascido a 28 de Outubro de 1909,em Lourenço Marques(hoje, Maputo), e falecido a 25 de Dezembro de 1943, na mesma cidade, desde logo mostrou e deixou transparecer, na sua vida e na sua escrita, um temperamento recolhido, uma personalidade introvertida e amargurada. Foi, sem dúvida, um homem infeliz. Nunca chegou a concretizar, em vida, o grande sonho de publicar o seu livro de poemas, que se diz ter intitulado Lua Nova . Seria, postumamente, um grupo de amigos que viria a cumprir o seu desejo, ao publicar, em 1943, Sonetos , em parte composto de sonetos publicados na imprensa local.

 

Muitos dos seus poemas, porém, ainda se encontram inéditos, ou então esquecidos na Imprensa, como é o ocaso de “O Brado Africano”, na década de 30.

 

Poeta de transição, e vivendo numa época em que os escritores moçambicanos ainda não tinham tido a oportunidade de acordar a sua consciência para as mensagens poéticas de conteúdo social, caracteristicamente moçambicanas, por outro lado limitado como estava pela repressão cultural em que utilizar a África real como fundamento/tema-chave era imediatamente alvo do exercício diário da Censura, a obra de Rui de Noronha ficará marcada como o primeiro sinal expressivo, o precursor mesmo, de uma nova fase da poesia moçambicana, que viria mais tarde a alcançar o verdadeiro ponto de ruptura com o passado.

 

É fundamental, assim, chamar a atenção para a importância deste poeta que veio a anteceder, em cerca de mais de dez anos, o arranque, definitivo e altivo, para a construção de uma poesia tipicamente moçambicana.

 

Rui de Noronha estava desacompanhado neste fulcral início; estava completamente desamparado e retraído por um sistema que impedia a existência de uma tradição literária moçambicana. Daí que o poeta se visse forçado a agarrar-se aos modelos portugueses - com vínculos do século passado ou dos princípios do século XX. Daí que “apenas” tenha conseguido murmurar as reivindicações do seu povo, em vez de as gritar e levar bem longe; daí que “apenas” tenha podido insinuar os valores africanos, o sofrimento do homem moçambicano, a injustiça criada pelo colonialismo, em vez de os denunciar clara e explicitamente.

 

Mesmo que assim tivesse que ser, Rui de Noronha manifesta a sua clara intenção e consciencialização da necessidade de moçambicanizar os modelos estéticos tradicionais portugueses: incorpora, em muitos poemas, discursividades (palavras e expressões) próprias de Moçambique. Em muitos dos seus textos encontramos uma espécie de simbiose entre a oratura (forma oral de transmissão de conhecimentos) e a escrita , numa tentativa de exigir a reabilitação nacional. Neste sentido, poderá claramente dizer-se que a acção dos seus poemas é sempre orientada para os caminhos do futuro: os caminhos que levarão à moçambicanidade .

 

Sintetizando o principal papel levado a cabo por este magnífico poeta, poder-se-á dizer que, na década de30, apoesia moçambicana, pela voz de um dos seus maiores poetas - Rui de Noronha - exprime, com elevado grau de firmeza, as oposições racial, económica e cultural que definem as relações colonizador versus colonizado. Rui de Noronha teve essa consciência nacional e, em termos de criação literária, iniciou a expressão dessa situação. Certo é que essa expressão começou por ser algo tímida, embora sempre extremamente fecundante, o que será facilmente compreensível se tivermos em conta a época de repressão vivida em Moçambique, dominada por um fortíssimo e intransigente sistema colonial. Mesmo assim, Rui de Noronha é universalmente apontado como o iniciador da mais poderosa aposta na desalienação cultural e política, persistindo na construção de uma literatura autónoma, verdadeiramente nacional.

 

 

 

CHUVA MIUDINHA

Cai uma chuva gélida, miudinha,
Que mal soa nos zincos dos telhados. 
Chuva que gela o corpo, gela a espinha,
E um dia inteiro deixa-nos gelados.
E cai, cai sem cessar, pó de farinha
Que nos deixa na rua enfarinhados.
Cai sem cessar, eterna ladaínha,
Nos nossos corações ajoelhados...
Um vento agreste as árvores perpassa,
Desenrolando um manto de desgraça
Sobre a paisagem húmida, encolhida...
E a chuva continua triste e mansa,
E na minha alma à mesma semelhança,
Cai-me o Passado em chuva comovida...
QUINHENTA MAIS QUINHENTA, MAIS QUINHENTA...
Quinhenta mais quinhenta, mais quinhenta...
(Se eu fosse enriquecendo assim aos poucos)...
Mas perco, meus amigos e anojenta
Ver mais um louco entre tantos loucos.
Mais vinte e cinco linhas me apresenta,
Digno, firmado, estóico, ouvidos moucos.
Procuração, dinheiro... e água benta...
-Água lhe dava eu de vontade aos socos...
Abre-se a porta. É o Seixas? -Não, é o Graça.
Papel azul, selado... Oh! que desgraça!
Que mais lembrou agora este demónio?
Mais um requerimento. Soma e segue.
Não haverá diabo que o carregue
E leve-mo por graça a um manicómio?
publicado por Revista Literatas às 16:38 | link | comentar