“A poesia não está fora de nós, nós é que inventamo-la”

Amosse Mucavele - Maputo
Literatas: O Lucílio Manjate começa a escrever em 1996. Porquê, para quê e para quem?
Lucílio Manjate: Penso que os escritores nunca sabem quando é que começam a escrever, porque sendo o acto da escrita um processo, que se liga a um outro processo, o da leitura, nós vamos escrevendo enquanto lemos, mas não registamos. É uma escrita ao nível do subconsciente, do íntimo, e que vai ganhando forma durante um tempo também impreciso, o tempo de gestação do escritor. É o tempo da criação da forma e que um dia vem cá para fora; no meu caso isso aconteceu em 96. Penso que nessa altura eu escrevia porque tinha que me situar, em termos geográficos, culturais, políticos, ideológicos, etc. Talvez seja o primeiro passo, esse. Essa é a leitura que faço hoje, lendo os meus textos um pouco mais crescido; escrevia para, a partir desse pressuposto identitário, inventar os meus sonhos, como todos os outros escritores inventam, e comunicar esses sonhos aos receptores dos meus textos. Partilhar um mundo possível.
Literatas: Sugere que o escritor não nasce numa folha em branco cheia de gatafunhos?
Lucílio Manjate: Exacto. Podemos entender essa questão como quisermos, eu penso que no papel ele apenas acontece. Perguntar quando é que o escritor nasce é sugerir uma discussão filosófica interessante, porque o texto primeiro acontece enquanto ideia, o embrião, e isso é na nossa mente e não fora dela. A metáfora de “nascer” aqui não pega, porque o ser humano vem para a luz, mas a luz do escritor está dentro dele, nunca fora. O homem sai da escuridão para a luz. O escritor faz o inverso, da luz para a escuridão. Talvez por isso queremos sempre voltar para esse mundo de luz, e procurámos como loucos um papel em branco para acender a escuridão que nos persegue.
Por isso o tempo de nascimento é um tempo mental, psicológico, à procura de um signo que lhe dê a forma… Mesmo quando me pergunto quando é que nós, seres humanos, nascemos, penso que é já no acto de amor que um dia uniu os nossos pais. Nascemos a partir daí.
Literatas: Falaste do signo. Que signo foi o que apagou essa tua escuridão?
Lucílio Manjate:O meu foi primeiro poético. Primeiro escrevi versos que nunca mostrei a ninguém porque eram decalques da elegia de Craveirinha em Maria. Mas antes tinha andando a decalcar as muitas vozes do Caliban, do Manuel Ferreira. Fundamentalmente essas duas vertentes.
Literatas: E essas leituras deram-te as bases…
Lucílio Manjate: Não há bases em literatura. Mesmo quando queremos vincular determinado escritor a um estilo determinado, esse é o nosso esforço, a nossa angústia de querer uma base, uma referência, um ponto de apoio a partir do qual o mundo possa fazer sentido. O problema é que esses sentidos, às vezes, são perniciosos, quando não valorizamos também a experiência vivencial do escritor, como se o seu estilo se fizesse sentido somente em função das leituras que fez. Obviamente que sim, mas isto significa que observar, cheirar, sentir, etc., são formas de ler, também. Mas ok, é como disse. Isso foi o que, de facto, li primeiro. Mas li também Poesia de Combate. Foi importante porque essa poesia tem uma força de expressão tal que me lembro que foi depois dela que estoirou a bolsa que me guardava durante esse tempo de gestação.
Literatas: Mas essa poesia é questionada hoje enquanto poesia?
Lucílio Manjate: Questionar a poesia é uma questão estética, equivale a questionar as noções do belo. Então essa discussão pode não acabar. O que é belo para ti não o é para mim. Podemos perguntar se não é belo exaltar a pátria liberta, cantar os seus rios, os seus montes, as suas vitórias, a coragem do seu povo, o som das armas da liberdade. A poesia não está fora de nós, nós é que inventamo-la, a partir dos nossos ideais. Posso concordar que nem toda essa poesia seja bela, mas então existe aí alguma poesia, algo de belo. Mas é preciso, de facto, questionarmos as coisas, para avançarmos, e a geração charrua, que propôs outras formas, entendeu isso.
Literatas: A geração charrua foi, aliás, objecto da tua análise enquanto estudante de literatura na Universidade Eduardo Mondlane (UEM).
Lucílio Manjate: Sim. Foi, porque achei que não existia um estudo sistemático a respeito dessa geração…
Literatas: Que já não existe…
Lucílio Manjate: Há várias formas de existir. Existem escritores sem livros publicados como existem músicos anónimos. Não são escritores? Não são músicos? Existem correntes de pensamento que só daqui a algum tempo tomaremos consciência delas porque alguém ira analisar determinados fenómenos e verificar o seu comportamento e os seus actores. Depois de identificadas, talvez já não existam, terão existido.
Nada nos pode assegurar que o facto do grupo daqueles outrora jovens da charrua não organizarem hoje as mesmas tardes e noitadas, os mesmos saraus onde se discutia literatura e até o país, o facto desse grupo não se concentrar não significa que já não exista a geração, até mesmo o grupo, porque a questão de nós pertencemos a um grupo é antes mental, de adesão e de comunhão de valores.
O certo é que ainda hoje, quando se encontram, nós, os mais jovens, ouvimos histórias, aprendemos algo. E isso, o que é? É preciso considerar também que grupos enquanto tal torna-se hoje difícil, as pessoas não param, muito menos para discutir ideias. Estamos cada vez mais fechados em nós mesmos. E o homem é tão pequeno! Falemos talvez em grupos virtuais. Encontramo-nos no correio electrónico que me mandas de Paris ou no facebook e por ai fora.
Literatas: Hoje tu dás aulas de literatura. Qual é o teu sonho, considerando essa fraca adesão das pessoas para a leitura?
Lucílio Manjate:O meu sonho é de que as pessoas acabem por descobrir que o livro é uma das maiores invenções do homem, não poderia o homem encontrar melhor forma de perpetuar a espécie. Ainda não estamos em vias de extinção. Ou estamos? Precisamos da imaginação, da criatividade para viver, e o livro dá-nos isso. O que o nosso país precisa é pessoas criativas, que constroem imagens e as experimentam nos seus sectores de actividade. A literatura dá isso tudo, e muito mais, dá-te amor, outra carência entre nós…
Literatas: O teu olhar sobre a literatura moçambicana?
Lucílio Manjate: Positivo. Pena é que essa crise alcançou também as artes. Ainda não fui a um lançamento, este ano. E nós ainda precisamos desse momento mágico, o do lançamento… A nossa literatura está muito boa. Sinto que nos próximos 5 anos teremos grandes revelações. Muitos dos escritores da minha geração, por exemplo, estará mais crescida nestas coisas da escrita e isso vai emprestar `a nossa literatura outro ar, e talvez outro destino. É verdade que, do que essa geração produziu, há boas coisas, mas penso que virão propostas melhores.
Literatas: Quais são os teus escritores, nessa geração?
Lucílio Manjate: Rui Ligeiro. Mbate Pedro. Celso Manguana. Aurélio Furdela. Sangare Okapi. Clemente Bata. Jesus. Chagas Levene. Tânia Tomé. Dércio Pedro. Dom Midó das Dores. Rogério Manjate. Andes Chivangue. Domi Chirongo. Repare que nenhum destes autores tem 3 livros publicados, eu, enquanto apreciador, estou a espera.
Literatas: Para fechar: como vês o projecto da nossa revista?
Lucílio Manjate: Parabéns! Admiro essa vossa maneira de divulgar as artes e cultura irmanadas no cruzamento entre essas oceânicas águas, a água, a única coisa que nos une, a vida.
Biografia
Lucilio Manjate nasceu em Maputo aos a 13 de Janeiro de1981,é Escritor, Ensaíaísta, Critico Literário, e Docente deLiteratura na Universidade Eduardo Mondlane, tem duas obras publicadas:
-Manifesto-Prémio T.D.M-2006
-Silêncios do Narradador-Prémio 10 de Novembro-2010
publicado por Revista Literatas às 13:05 | link | comentar