Uma poesia de alto risco
- Rubervam Du Nascimento exibiu seu “Espólio” em Maputo
“Estrada da vitória não tem mais voz/ sem rodas da máquina do horário azul/acaba cantiga do relógio de sol apressado” – é uma das estrofes extraídas do livro “Espólio”de Rubervam Du Nascimento, lançado em Maputo, onde o autor parece-nos levar a visitar detalhes do tempo mas sem nenhum saudosismo.
Dizem que anda por cá (Maputo) por outras razões que não sejam poéticas. Mas Rubervam Du Nascimento está a aproveitar as terras do índico para falar de Craveirinha; falar da poesia e lançar, como fez na sexta-feira, o seu “Espólio”.
Desemembarc ou como um dos poetas brasileiros mais premiados – quatro prémios – e levou para o Centro Cultural Brasil- Moçambique o seu mais recente livro “Espólio”. Izacyl Ferreira, que escreveria a apresentação desta obra, a definiria como um livro de “desolação, de perdas, de ferrugens, coisas e pessoas gastas e perdidas”.
Esta formrma simplista de definir o “Espólio”de Du Nascimento conduz-nos, de uma forma complexa, para um livro que, ao ler, parece estar constantemente a nos conduzir ao passado, ou melhor, ao que nos resta da vida. Ferreira diz reiterar o dito arrulhos que defende a utilidade de reler as epígrafes de um livro para melhor entender o seu conteúdo. Esta sugestão leva-nos a uma conclusão quase agressiva que Rubervam Du Nascimento busca para o seu livro através de “Konstantinos Kavafis”: “Todas essas coisas são muito velhas/o esboço, o barco e a tarde”.
Assim Du Nascimento prepara-nos para o que podemos encontrar nesse “Espólio”. Mesmo antes da epígrafe, o poema (de) “Introdução” já nos chama atenção para toda a base (assim como os detalhes) deste livro.
“não é fonte deste livro/meu dia perdido/ na confusão da noite/ nossa vida de cão/ passada a limpo/ desde que o anjo rebelde/ a serviço do criador/ armado de lasca de sol/ nos expulsou do paraíso”, escreve em “Introdução”.
Estandndo prereparado, parece- abrir-nos para uma leitura não pré-definida que nos sujeitaríamos se nos baseássemos simplesmente no título “Espólio”. Mas ele avisa que este não surge de “manuscritos salvos de um arquivo de areia redigido com tinta deagua...”
E, quandndo nos prendemos no poema “Herança”, que abre “Livro 1 – Da Carne”, vamos perceber claramente a linha que o poeta nos remete.
“marido aproveveitou a demora da festa/ testou com indicador a castidade da mulher/ ajudado pela toalha da mesa cheia de rosas feias/ que cobria colo e pernas dos convivas”.
Mas ao lermos os poemas de Rubervam Du Nascimento temos sempre uma tendência de o vermos pelos olhos dos outros, daqueles que já o tinham lido antes, começando do seu “debut” com “A Profissão dos Peixes”. Este parece ser o seu livro e marca. Melhor, como diz Dalila Teles Veras, ele – Du Nascimento – já se auto-denominou “poeta de um livro só”, referindo-se “A Profissão dos Peixes”, obra que demonstrou o desejo de reeditá-la em edições revistas e – cada vez mais – diminuídas.
Mas estávamos a falar dessa leitura que temos sempre de fazer através dos olhos dos outros. Elias Paz no artigo “O engajamento P(r)o(f)ético em Rubervam Du Nascimento” faz uma “visitação” religiosa a obra de Rubervam por sua constante recorrência à religião, enquanto nos lembra que este poeta já foi um servo de Deus.
“... as referências religiosas, bíblicas e extra-bíblicas são abundantes no texto de Rubervam, veladas e claras. Para quem não sabe, o Rubervam é um ex-pregador adventista com vivência e formação cristã e grande familiaridade com o texto bíblico.”