Terça-feira, 01.11.11

Escrever para extravasar sentimentos através da Poesia

Por Eduardo Quive

 

Fátima Porto

O seu processo de criação não ultrapassa os meus humanos comandados pelos sentimentos, mas o produto final, que é a sua poesia, ultrapassa continentes e forma um horizonte que cujo alcance é sempre o mesmo para o leitor – a insatisfação. Lemos sempre, mas sempre, queremos mais. Na sua poética forma de “extravasar sentimentos”, navega o Atlântico que banha os trópicos da África, negra terra que a viu nascer, mas neste mesmo oceano, embrulha-se um outro continente que a acolhe temporariamente, como declara nesta entrevista. Aliás, segundo ela, na sua poesia, podemos encontrar o grito de saudades da mãe África “quem os ler, vê a saudade, a tristeza, a dor, até mesmo a revolta de ter visto os seus filhos partirem… “Mas havemos de voltar!”, já assim dizia Alda Lara!” é bancária de profissão e Portugal a acolhe desde a tenra idade, mas o seu berço, é aquele que é da humanidade – África, mais concretamente, em Angola, terra de Pepetela e Agualusa, exímios escritores dos tempos de hoje. Quem sabe ela também será! … Falo-vos de uma mulher que ostenta o nome de Fátima Porto.

   

 

Eduardo Quive: Que espaço ocupa a literatura na sua vida?

Fátima Porto: A literatura tem um espaço muito importante, desde a leitura de obras de autores nacionais e internacionais, como até a minha própria escrita.

 

Eduardo Quive: O que a leva a escrever?

Fátima Porto: Extravasar todos os meus sentimentos, sejam eles de dor, alegria, até mesmo de Amor.   

 

Eduardo Quive: Quando é que escreve?

Fátima Porto: Sempre que sinto necessidade para tal, o que posso mesmo dizer, que é uma constante diária.

 

 

Eduardo Quive: A quanto tempo escreve?

Fátima Porto: Desde muito cedo que comecei a escrever, desde pensamentos poéticos a pequenos textos poéticos que mais tarde se transformariam na minha grande paixão literária.

 

Eduardo Quive: Que passos obedece o seu processo de criação?

Fátima Porto: Essencialmente a minha vivência do quotidiano; por vezes uma fotografia pode traduzir em mim, a essência “forte” para “entrar” dentro do contexto e transformar em letras tudo aquilo que sinto.

 

publicado por Revista Literatas às 11:09 | link | comentar | ver comentários (3)

“Cidade de Quelimane está enterrada”

- escritor e psicólogo Élio Martins Mudender justifica o título da sua obra "A Cidade Subterrânea"


Por Eduardo Quive


“A Cidade Subterrânea”, título de um livro publicado há dias em Maputo, tem como palco a cidade Quelimane. Aliás, segundo o autor, Élio Martins Mudender, Quelimane é “A Cidade Subeterrânea” retratada nesta obra, que trás revelações sobre vários problemas sociais, pois, “há muitos problemas de desemprego, habitação, muitos quadros naturais de Quelimane querem regressar à cidade, mas não há condições, acabando por regressar à capital, ou rumam para outros cantos do País a procura de melhores condições de vida, que lá não é possível encontrar, e isto faz com que eu me refira a uma cidade que está enterrada”. Mudender que é também psicólogo e natural de Quelimane, alongou a sua viagem, revelou em exclusivo nesta entrevista que, não é ele a personagem principal do livro, como se pensa, mas que na sua literária abordagem, despe o que sente pelas terras que lhe viram a nascer. “Eram pessoas a reclamar por tudo e por nada. É a miséria de um povo. Isso é verdade. Quer dizer, sem comentários, porque é de facto uma verdade: há muita fome, há miséria, e isso cria muita dor e nostalgia que quando a pessoa chega lá, sente que de facto está mal. ”

 

Como é que surge o título “A Cidade Subterrânea”?

 

- É “A Cidade Subterrânea”, pois, na minha opinião a cidade de Quelimane está a viver uma situação que me leva a acreditar que está enterrada, no sentido em que muitas coisas que por lá acontecem, sujeitam-na a uma situação de pôr em causa o desenvolvimento da sociedade e do bem estar do povo zambeziano. Mas não só o povo desta região, é uma maneira metafórica de fazer uma apreciação sobre a situação duma cidade que está num nível de desenvolvimento muito péssimo, o que pode não ser só Quelimane, podemos encontrar a mesma situação em qualquer outra cidade no mundo.

Portanto, é uma metáfora para referir toda aquela cidade, todo aquele povo, que pela ironia do destino ou pelas condições sociopolíticas, culturais e toda essa dinâmica, faz com que o seu desenvolvimento esteja parado.

Se formos para a própria cidade de Quelimane, há muitos problemas de desemprego, habitação, muitos quadros querem regressar à cidade, mas não há condições, acabam voltando a capital ou rumam para outros cantos do País a procura de melhores condições de vida, que lá não é possível encontrar. Isto faz com que eu me refira a uma cidade que está enterrada.

 

publicado por Revista Literatas às 10:33 | link | comentar | ver comentários (2)

Dos Frutos do Amor e Desamores até à Partida de Adelino Timóteo: Amor e Utopia

Por Lucílio Manjate

 Capa do livro de Adelino Timóteo

  1. 1.    Dos frutos do amor

“Tudo que sei dizer-te é que és nua:

E lenta a flor, como o Sol, eis que de múltiplas formas te desabrochas em mim: as tuas mãos de vidro, lentas, os teus lábios húmidos, quentes, à forma como me beijam. Caída chegas-me pelo corpo, pela alma. És lenta, e nua explodes, como uma mina aberta à memória. És alta como pólen, a doce lentidão como me chegas, vagarosa pela boca, a vocação com que o fazes: lenta no beijo, até ao tutano, lenta às carícias, até às trompas de falópio. Tua a lentidão uma fonte de água, sem rumor, incessante. Tua a vertigem, repetitiva como me chegas, quente, suave, febril.” – p. 11

Ao apresentar a nova obra de Adelino Timóteo, gostaria de destacar dois signos de enunciação poética que me parecem representar os fundamentais núcleos semânticos da obra. Primeiro, o da identificação irónica do “eu” poético em relação à entidade que interpela. Segundo, o facto de essa identificação ser co-referencial em relação à “nudez”, palavra-tema que ao longo da obra ora é dessacralizada ora sacralizada.

As noções de “identidade” e “identificação” são recorrentes nos estudos literários e culturais. A noção de “identidade” é, muitas vezes, entendida em primeiro grau, como aquela que é cunhada a partir de dados empiricamente verificáveis, como a cor da pele, o sexo, atc. Em segundo grau, a palavra “identidade” remete-nos para uma construção simbólica no próprio processo de sua determinação; trata-se de uma entidade que não se concretiza em função de um único referente empírico, mas de vários, num processo reflexivo que possui uma dimensão de exterioridade. Nessa aceitação do que é exterior, um Eu não nega um Outro, pelo contrário, aceita que a sua “personalidade” é forjada na tensão entre dois olhares, o seu e o do Outro.[1] Há-de ser por causa desta relação dialéctica entre o interior e o exterior que Derrida afirma que “Uma identidade nunca é dada, recebida ou atingida: só permanece o processo interminável, indefinidamente fantasmático da identificação”.[2] Hoje sabemos que o sexo já não identifica nem homem nem mulher. Hoje percebemos que somente o diálogo, a abertura para o Outro, permite perceber que interagirmos com homens que na verdade são mulheres ou mulheres que na verdade são homens, ou ainda homens e mulheres que nem são homens nem são mulheres. Ora este diálogo não é identidade, mas identificação.

O livro que Adelino Timóteo hoje nos apresenta é composto por dois momentos. O primeiro momento, Dos Frutos do Amor; o segundo, Desamores até à Partida. A obra é uma interpelação ao leitor, mas uma interpelação em segundo grau, momento em que deixamos de identificar na obra o tema do amor canal – como veremos – e passamos a interlocutores de um processo de identificação que tem como mote esse tema do amor sexual.

Na primeira parte do livro, Dos Frutos do Amor, ao interpelar a entidade a quem se dirige, ironicamente o “eu” poético identifica-se: “Tudo que sei dizer-te é que és nua … Caída chegas-me pelo corpo, pela alma.”

Não será tudo o que sabemos dizer a soma das experiencias sensoriais, a síntese do que ouvimos, do que vemos, do que sentimos, do que cheiramos, do que provamos? E Não será esta síntese, portanto, o universo metaforizado na palavra “Tudo” que “eu” poético diz?

Se assim for, o “eu” poético do Adelino Timóteo diz o seu universo sensorial ao mesmo tempo que o interpela. “Tudo que sei dizer-te é que és nua… Caída chegas-me pelo corpo, pela alma.”. Tudo que sabe dizer, ou seja, tudo o que ouve, vê, sente, cheira, prova, é nu. A “nudez” há-de ser, portanto, o núcleo habitacional da enunciação poética desta obra.

 A interpelação que o “eu” poético faz à entidade a quem se dirige inaugura uma relação de identificação que o autor dá o nome de Amor, talvez porque acredita que todos nós sabemos – ou pensamos saber – o que essa palavra significa. Mas, de facto, o Amor aqui é apenas exemplo dessa relação superior. Não se trata de uma relação de amor, desse amor que povoa o nosso imaginário, apesar de o “eu” poético interpelar uma mulher, fonte desses sentidos que lhe chegam pelo corpo, pela alma. É mais uma relação de identificação que tem no imaginário que construímos sobre o Amor a sua metáfora. É a partir dessa metáfora do Amor, de um “eu” poético que se afirma em função de um Outro concretizado e poetizado, que Adelino nos convida ao entendimento do conceito de identificação como tema superior do seu livro, uma espécie de arquétipo de todas as relações. Para tal, o poeta serve-se, estrategicamente, da “nudez”, e de um imaginário que associa a nudez à disposição sexual, como confirmam as ilustrações feitas à obra, de Silvério Sitoe: “Tudo que sei dizer é que és nua … Caída chegas-me pelo corpo, pela alma.”.

“Posso escrever-te a tua húmida flor, a rosa côncava, carnosa, em seu fundo negro sem fim: A tua flor é a língua do fogo, a borda alongada das pétalas, o fio volátil em meus lábios. Chega-me lenta pelo pavio, no mar sem fim dos meus lábios, na água sem fim das palavras, onde cada gesto teu se repete como um refrão, com graça. Posso escrever-te a tua flor: aberta como uma asa és lenta, lenta que me fazes vibrar. E tu és feita de silêncios, de telegramas que se me chegam pelos teus beijos, cartas e telexes que me chegam pela ponta da língua, às digitais, esmerada no que te encarregas pela tua boca. Posso escrever-te a tua flor: trazes-me aos lábios os fios de uma aranha tecedeira, a lentidão da abelha e o mel num cântico com que transcendes à lua, a Marte venial, divinal.” – p. 12

De facto, a nudez é o signo que Adelino Timóteo elegeu para celebrar o amor carnal. Com efeito, as imagens eróticas desfilam, gradativas e lentas, num filão descritivo desse desejo sexual que se vai celebrando e cujo êxtase encontra na voluptuosidade da palavra, na expressão libidinosa que progride sempre lenta pelo corpo nu da mulher, a sua representação suprema.

Parece-me que a primeira parte deste livro diz respeito a esta celebração. A celebração do universo-mulher, da mulher nua, ao qual o sujeito poético irremediavelmente se entrega, porque somente assim se define, nu. Mas aqui o perigo, o de pensarmos que Adelino Timóteo apresenta-nos poemas eróticos. O erotismo nestes versos não é um fim em si mesmo, mas um ponto de chegada que tem no conceito de identificação o ponto de partida, onde ou quando precisamos ser Outro para sermos Nós. É o ideal da fusão de todos os sentidos.

Ora Adelino Timóteo confunde-nos exactamente ao apresentar essa relação como sexual. Na verdade, o poeta acaba dessacralizando esse amor feito de carne, como quando queremos “fazer amor”, ou mesmo quando não queremos. Ora o acto de dessacralização é também um acto de sacralização. E sacralizar é tornar sublime. E sublime é esta entrega do “eu” poético à essa imagem da mulher nua que se torna o seu universo. Por isso é que o conceito de identificaçãoem Adelino Timóteo é um espaço sublime e uma vocação a ser seguida, a vocação de sermos a totalidade de um Outro para sermos Nós. Uma vocação que nos coloca na eminência de sucumbirmos se o Outro, que faz de Nós o que somos, deixar de existir, como acontece na segunda parte do livro – Desamores até à Partida.

  1. 2.      Desamores até à Partida

Adelino Timóteo

“Eras lenta, amorosa, para lá do limite da paciência. Como uma sinfonia dos oboés, ritual me acariciavas que não te fartavas, delicada que me alongavas os bornais, firme a saliva pela língua. … Aquele amor cândido. Aquelas amoras dóceis. Era só uma lembrança, pois então quebraram-se as asas e nenhum de nós os dois voa. E o silêncio a si se interpela. Já não é. E sempre era de noite quando volvia aos teus prumos. E a pergunta com que o silencio se me interpela se cristalizará com o tempo. Eis mais este presente dilacerado que nos sobrou. Delicada a chuva sobre a celha dos rostos até à partida.” – p. 46

Obviamente que já não se trata aqui dessa fusão de sentidos a que o “eu” poético recorre para se definir. Mas aqui percebe-se que a tese que Adelino Timóteo formula na primeira parte do seu livro é a de que a abnegação, pura e verdadeira, natural e sincera, a que nos votamos quando amamos carnalmente ou sexualmente é a manifestação da noção de identificação enquanto arquétipo a ser realizado, utopia a alcançar, pois agora lembramo-nos de que palavra “nudez” denota também os sentidos simplicidade, singeleza, verdadeiro, sincero, natural. O desamor que se regista na segunda parte da obra reforça esta ideia, a identificação como processo de construção identitária exige de nós essa nudez que teimosamente camuflamos. Tal como quando fazemos amor, nascemos todos nus. E o que há de comum entre fazer amor e estar nu é o encontro com o universo. Ou seja, o universo do Homem nunca deixou de ser a nudez. Conceber a nudez como ponto de encontro, de naturalidade, de sinceridade, de verdade e pureza, e assim, olharmo-nos sempre nus, ainda que vestidos, seria a mais genuína, a mais sublima expressão de identificação, onde e quando somos todos iguais, ainda que diferentes.



[1] Bernd, Zilá. Literatura e Identidade nacional. 2 ed. Porto Alegre: UFRGS, 2005.

[2] Citado por Zilá Bernd.

publicado por Revista Literatas às 09:56 | link | comentar

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