Quarta-feira, 06.07.11

Emiliano José convidado desta edição do projecto "Com a palavra o escritor"

publicado por Revista Literatas às 03:33 | link | comentar

FAZER


Pedro Du Bois - Itapema
Feito ao avesso: da cabeça
aos pés transitam ordens desconexas
o primeiro limite estabelece o siso
o último rearranja as forças
com que chuto as pedras
desconheço a determinação
da placa: disparo
ao encontro do corpo
contrário e o choque
desintegra o mito
da cordialidade.

publicado por Revista Literatas às 03:29 | link | comentar | ver comentários (2)

Dark Saga l

Samuel da Costa - Brasil
    
 Para Miguel Maria da Costa
Meu filho...quando tu nasceres...serás...tão belo, tão casto
Pois ela pariu! Um menino! Ah meu filho! Tão puro! Tão casto!
― Marguerite! Já podes servir o jantar! ―O tom da dona da casa era formal e pastoso, para disfarçar o ódio que sentia para com a mulher que a servia. ‘’Dona Madalena’’ sabia como se relacionavam os homens e as escravas em seu mundo. Escravos, e principalmente as escravas, deveriam servir seus senhores e senhoras em todos os sentidos. Quando o marido de Madalena voltou do mercado de escravos com um ‘’novo lote’’, trazendo aquela negra com porte de rainha, Madalena foi tomada de um adágio. O marido de Madalena, fazendeiro prospero e senhor de muitos escravos, decidiu por aquela escrava para dentro da casa grande. A dona da casa, não precisou fazer um grande esforço para descobrir o porquê de seu marido tomar tal atitude. Mas o que Madalena não sabia era que o nome dela era Kianda, e que ela fora rainha no velho mundo. Aprisionada, junto com seu povo, e posta a ferros, para em seguida ser vendida como escrava em Nova Lisboa em Angola. 
― Já podes se retirar Marguerite! ― Ordena Madalena, forçando um sotaque afrancesado, a sua serva após a mesma por a mesa.
― Por que não à chama de Margarida? Por que ‘’tem’’ que usar a língua dos ‘’outro’’! ―Esbraveja Gumercindo, pois aquele rústico dono de fazenda, jamais entenderia o porquê de uma dama nascida e criada na corte, com seus ‘ares’’ refinados frutos de aulas particulares e breves viagens ao estrangeiro, tratar os escravos daquela forma tão refinada.
― Deus...como pude cair tão baixo? E parar nesse fim de mundo! Sussurra a dama da casa de forma impensada. 
― Disse alguma coisa mulher?
― Não disse nada, meu marido...― O tom irónico de Madalena constrangia Gumercindo, pois a esposa ,que ele ‘’encomendara’’ da corte, tinha esse péssimo hábito de o desafiar, coisa que dificilmente uma ‘’nativa’’ faria. 
― Bom! Assim é bom, tu ‘’sabe’’ que teu pai me devia um bom dinheiro! ― Diz Gumercindo de Sousa Andrade de forma venal. ― E o meu filho...?
― A ama de leite o colocou para dormir, tu sabes meu marido, que Adamastor dorme a essa hora!  
― Eu só queria saber se o Dada ‘’ta’’ bem...só isso mulher. ― Diz Gumercindo em tom paternal.
― Não fale de boca cheia meu marido, quantas vezes eu tenho que dizer isso, meu Deus! ―Os maus modos à mesa a incomodava, como também o jeito brutal que ele tratava os escravos. Antes ela não precisava presenciar tais bestialidades que se praticava no mundo dos homens. Mas agora morando em uma província distante do império, a coisa era diferente. Tinha aquela gente negra e mestiça por toda parte, estavam tão próximos. Estavam tão presentes, no dia-a-dia, aqueles pobres diabos. E do outro lado a falta de um convívio civilizado, tinha a falta dos teatros, dos jornais, dos livros, revistas de moda vinda diretamente de Paris, das conversas nas soverterias e cafés com os amigos vindos do estrangeiro, um mundo tão cheio de novidades. 
― Sabe a prataria francesa e os cristais da Bohemia que me comprasse? ― diz a dama que depois leva um lenço à testa, era deselegante, mas um leve mal estar a estava irritando. ‘’Deus, só faltava essa agora, ficar doente nesse fim de mundo’’ diz a dama de si para si mesma.    
― O que foi mulher, não ‘’gosto’’ do te que mandei buscar? O que foi mulher ,que cara é essa?
― Nada, um mal-estar de repente. É que esta faltando umas peças, Marguerite me trás água, por favor! ―A dama se esforçava para não gritar, no seu íntimo ela já estava cansada de pedir para as escravas não se afastarem muito da mesa, mas era inútil dar ordens para aquela gente, essa era a visão da dama.  
Os espasmos que se seguiram foram violentos, o casal Sousa Andrade vomitava sangue. Gumercindo cai no chão atordoado, foi quando Kianda retorna à sala de forma lenta. Com um sorriso nos lábios e uma faca de prata em uma das mãos, ela se aproxima do dono da casa e abaixa-se para lhe falar aos ouvidos.
― Sabe coronel, eu estava esperando por isso faz tempo. Não vai mais me fazer visitar à noite! Vou ver você morrer bem devagar... 
publicado por Revista Literatas às 03:28 | link | comentar

Crónicas Timorenses

Joana Ruas – Lisboa

Abordei este segundo volume da trilogia A Pedra e a Folha, ainda antes de de ter iniciado a investigação que me levaria ao primeiro volume, A Batalha das Lágrimas. Tinha entre mãos as fontes escritas e tinha ainda as que me haviam sido fornecidas e que pertenciam à tradição oral.   A análise desse material levou-me à conclusão de que uma vez concretizada a unificação administrativa do território,   em finais do século XIX, este, embora tenha continuado a estar administrativamente dividido em reinos,   esses reinos  eram assim chamados formalmente pois os seus reis haviam deixado de ser vassalos do rei de Portugal, para serem apenas súbditos, não sendo os seus reinos nem já independentes nem mesmo autónomos. Apenas um, Manufhai, ousava ainda proclamar a sua independência face ao poder central.
Constatei, pois, que a construção erguida durante séculos pela política de casados de Afonso de Albuquerque e mais tarde reforçada pela luta contra os Holandeses levada a cabo sobretudo pelos governadores pernambucanos, ruíra com as guerras de pacificação do território. Para um observador externo, a  existência colectiva do povo timorense tinha sofrido  uma descontinuidade,   pois uma vez vencido na  guerra de Manufhai,   os episódios novos que viria a sofrer já não eram  um prolongamento dos antigos. Perante estes novos dados da realidade,   olhei para o material que tinha entre mãos. Fixar a história destes povos na sua longa e perigosa marcha é extremamente difícil. Uma das razões pode ser aduzida do facto da sua vida colectiva não possuir a característica ocidental da circularidade imutável em que mesmo com retrocessos se processa uma continuidade na vivência histórica. Na verdade, havia já factores de coesão que se viriam a manifestar na Resistência ao invasor indonésio e que paradoxalmente surgiu no território com uma corrente nacionalista que estava sintonizada com os nacionalistas indonésios liderados por Sukarno na sequência da invasão nipónica.
Em A Batalha das Lágrimas a intriga, de facto, perde-se na linearidade factual dos sucessivos episódios da guerra. A intriga perde-se porque estas histórias são histórias da resistência e dos vencidos e não as dos vencedores. Nos vencidos, à excepção dos que possuem uma arte, a arte da resistência que  Dante, na Divina Comédia , define como  a capacidade de resistência às adversidades e aos inimigos políticos, tudo se dissolve no inacabado porque a espoliação de que foram vítimas lhes rouba os fios da própria existência. Havia ainda que ponderar que na nossa cultura há uma oposição entre o oral e o escrito. Nas culturas orientais essa oposição não existe. Mesmo na cultura chinesa, a oposição que existe  é entre o gesto e o discurso. Lembremos a Questão dos Ritos Chineses, essa controvérsia que se travou nos séculos XVII e XVIII, isto é de 1631 a 1743, quando se iniciava a evangelização da China. Assim, na medida em que a escrita muda a natureza da narrativa oral, pois pelo  facto de passar para a forma escrita, o texto corta as amarras que o ligavam à oralidade, chamei-lhes crónicas e não contos . Crónicas no sentido dado às Crónicas Italianas de Stendhal, pela diversidade das fontes, escritas e orais e pela liberdade de invenção no tocante aos personagens mas não aos factos que se erguem sobre fundo histórico.
Todas estas crónicas têm as suas fontes históricas assinaladas nas notas finais de cada uma delas. Entre as fontes portuguesas  não se verifica já a dispersão das fontes e dos documentos que estão na base do primeiro volume, A Batalha das Lágrimas. Ora esta concentração resulta da racionalidade imposta pela mudança  de estatuto da colónia.   Na documentação que esteve na base do 1º volume,   à medida que li todos aqueles  livros, relatórios militares,  documentação avulsa e notícias dos jornais, os personagens  foram-se-me  impondo, quer porque os autores desses documentos os consideravam heróis nacionais, fossem portugueses, goeses ou timorenses, quer porque sendo gente obscura acedeu à História por infracção, isto é, as suas vidas cruzaram-se com o Poder, passando a fazer parte dessa pluralidade de vozes que se perdem no tempo, os infames como os descreveu Michel Foucault em La Vie des Hommes Infâmes : «Vidas breves, achadas a esmo em livros e documentos».
Ora depois da pacificação do território como lhe chamou Celestino da Silva, tudo passou a ser diferente aos olhares dos observadores, militares e administrativos que relataram os acontecimentos havidos no século XX, em vésperas da 1ª Guerra Mundial: à excepção de D. Boaventura de Manufhai, não foi registado nome algum de timorense, todos passaram à categoria dos vastos e anónimos, fenómeno registado  por Rilke e mais tarde por Canetti como os «sem nome».
É minha convicção que o povo de Timor-Leste rasgou a noite de um longo sofrimento e de uma deriva histórica perigosa para a sua sobrevivência como povo até nos surpreender a todos nós Portugueses  e ao mundo inteiro tornando-se a primeira nação do século XXI, Timor Loro Sae.A sua coragem, determinação e capacidade de sofrimento foram por assim dizer a minha veste de luz, e  acolhi a inspiração que deles recebi nesses duros tempos de horror e de esperança. Indo a mais de meio do meu trabalho, apenas espero ter contribuído para a definitiva reconciliação da família timorense. Sobre tantos personagens colhidos aqui e ali apenas vos digo como Saint-Exupéry em O Principezinho :«Só se vê com o coração; o essencial é invisível aos olhos». 
  
Crónicas Timorenses — estas crónicas abrangem um período que vai de 1910 a 1965.Dada a interferência no território de vários protagonismos  quer antes quer depois da 2ª Guerra Mundial, a autora deu à progressão dessa realidade complexa a forma de contos  por se basearem em  documentação escrita e oral. São estas as crónicas: D. Manuel dos Remédios —  breve texto sobre o exílio e morte na serra de Lavater deste liberal timorense perseguido pelas autoridades militares e religiosas em 1878;  O Cofre e a Espada — a autora desenvolve e aprofunda, a partir de personagens timorenses, a trama que leva  à guerra de Manufahi  quando em Portugal vigorava o novo regime — a República. A autora segue o desenrolar deste conflito baseando-se  na obra do oficial da Armada,  Jaime do Inso, intitulada Timor-1912 ;Folhas soltas no bosque — a acção deste conto que se baseia nas informações contidas  no livro Funo-A Guerra em Timor de Carlos Cal Brandão, decorre no rescaldo da  retirada  nipónica de Timor, em Agosto de 1945; Funan-Mutin (Branca- Flor) —  a chegada dos oficiais milicianos e suas esposas a Timor-Leste, as consequências  do golpe contra Sukarno e também   sobre os ventos de mudança que se anunciavam em Portugal e nas colónias.  

publicado por Revista Literatas às 03:24 | link | comentar | ver comentários (1)

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