Quinta-feira, 02.06.11

Prosa poética de Aline Pereira - III




Distraído ouvindo a gaiola canariar, o coronel palita os dentes quando, de repente, um menino empregado interrompe a leitura da pequena hóspede de olhos verdes, que atende por Clara. O homem na cadeira de balanço é também o dono de todas as coisas ali. Na estranheza de seu olhar a distância do impressentido amor: “Que é?” O menino responde: “Uma onça matou meu pai.” O silêncio das coisas que não estão acontecendo se fez. No estômago de Clara uma perna de carneiro chutava com força. “Por favor, devo ser apresentada.” O menino empregado, que é também a infância do meu herói, parecia intratável, talvez uma pedra, talvez uma testa enorme e desfigurada, por isso os demais criados o levaram antes que pudesse devolver à jovem o cumprimento. Clara mal abre a boca. O herói infante arqueja: “Sabe, hoje ouvi tantas modas! Todas sobre peixes...” Cantava sempre uma que parecia ter sido escrita de propósito para ela. De algum modo livre, o menino aproxima a boca do ouvido de Clara: “Conheço uma adivinha, toda em poesia, e toda sobre peixes.” Ela queria ver tudo, numa sensação imediata da vida desperta. O coronel só sabia da dívida que tinham com a terra e que era preciso pagar. A terra era uma prisão. Observando a aia parda que lhe atraía tanto, o velho proprietário pensou: “Que é que eu vou fazer?” Uma das sobrancelhas erguidas, bateu o cajado-estaca no chão e levantou-se: “Onde está o criado que devia responder?” A luz já não fazia parte do cenário. Seguiu-se então um confuso rumor. Eram as moscas. Na medida em que as moscas avançavam, os pombos fugiam. Confuso, o dono pediu aos pombos que voltassem submissos. Então Clara, numa voz que parecia mais um arrulho: “Seria um prazer.” E voltando-se ao anfitrião de bigode: “Posso?” O bode não responde sim: “Primeiro o peixe deve ser pescado, depois comprado.” Num sussurro simulado, a jovem olhou para o homem como se visse um condenado a morrer. “Muito obrigada, mas de fato não preciso do seu lugar.” Nisso, o menino sentiu a existência embalar seu corpo e, então, eles dois, Clara e o pequeno sertanejo, caminharam por cima das posses. Ele pôs a enxada ao ombro e seguiu lentamente a caminho da roça, até que puderam ver o capim ainda molhado de sangue. Do cenário exalava um cheiro novo, e ela reconheceu o contraste no ato. Era o sangue do soldado morto tingindo o descampado verde. O menino não sabia que a cidade existia, nem mesmo que havia um país. Ele ignorava o que eram os pintores, mas conhecia a poesia. Ao ver Clara perseguindo o xale que flutuava, enxergava também a música. A pequena era tão fria quanto a terra, e porque o céu o odiava, ele começou a sacudi-la de um lado para outro com força. Ela não opôs a menor resistência, mas seu rosto foi ficando cada vez menor, e os olhos maiores, muito grandes e verdes a ponto de se fundirem em apenas um. O olho de mulher crescia como o sol na alvorada, e o menino empregado não teve mais dúvidas. Era ela a bruxa que procuravam. No palco do desmantelo, a sombra que absolve os pecados da terra numa enorme cova. Só depois, com a falta do sonho fugaz da realidade, o herói que perdera o pai maldisse todas as onças. Nesse exato momento, a menina rosnou. Ele sabia, tristonho, que não tinha capacidade para matar a onça, mas podia tocar no segredo íntimo dela: “Em que você se transformou?” Clara respondeu: “Na sua vida, tenho certeza.” O herói finalmente chorou: “Se você realmente estivesse no meu sonho teria gostado, ouvi tantos poemas, todos sobre peixes!” Enfim, algumas horas depois eles retornaram. Pela primeira vez, pediu a morte o meu heróico infante. A menina voltaria logo para casa, tão longe dali, enquanto ele mastigava uma vida inteira para chegar ao seu destino.
publicado por Revista Literatas às 08:40 | link | comentar

Noite para abraçar Cezerilo



Luis Cezerilo, poeta e estudioso de literatura, tem a “noite de abraços” reservada para si. A sessão vai acontecer na sexta-feira às 18h00 no FEIMA.

Semanalmente, o programa “noite de abraços” busca uma personalidade para homenageá-la. Este programa permite uma interactividade entre as figuras convidadas e os seus admiradores. O poeta Luis Cezerilo publicou cinco livros no Brasil, Moçambique e Portugal, designadamente: “O arrumador de luzes”(1999); “Quando o papel for branco”(2000); “Encontros – Desencontros”(2002); “Geometria das metáforas”(2003); e “Incandescências”(2006).
publicado por Revista Literatas às 08:15 | link | comentar

O Renascentista


Aline Pereira - Rio de Janeiro

Há milénios acreditei
estar imóvel nessa bola,
com o sol e as estrelas
girando em torno dela.
Mas agora tudo se move,
eu, a bola, o sol, as estrelas.
Agora os barcos navegam do verde ao azul
e, do alto, vêem a água girar
pernas e mãos em conjunto.
Vêem que o céu está vazio,
que na Terra há muito lugar.
Então, onde a fé teve assento,
repousou a dúvida.
O universo sem ponto central
e a bola rolando comigo,
na órbita dos meus olhos.
E daquela manhã dos inícios
não houve quando não visse mais.  
publicado por Revista Literatas às 08:13 | link | comentar

Fina

Deusa D´África - Xai-Xai

à Fina           

vós que sois deusa
menina dos sonhos meus enfeitiçados
pela beldade e vossa voz que fez meus olhos encantados

vossos cabelos curtos
pretos resplandecentes e que não perdoam
rodeados pelos insectos voadores
que revelam que vós sois deusa dos olores
e mãe das águas, ao vivo e a cores
vós que fostes dado o poder
de governar o trono de ser bela

Mas, quem sou eu!
para vo-lo admirar, o vosso olhar que desperta
e alerta as pestanas que sorriem
como dentes pela deslumbrância
dos vossos olhos que cintilam
e ao mundo principiam

A cor da vossa pele
que a noite repele
mas às estrelas não resiste
vossas mãos ao que tocam
a tranquilidade coloniza
will you be the lost angel
mas eles eram cruéis e vós sois fiel

Em vossos calcanhares
as serpentes se arrastam,  que uma monarquia de servos;

que à monarca respeitam,
sóis deusa! das florestas não desvendadas
mares enigmáticos onde repousam os vossos nervos
que libertam o mundo dos maremotos
e terramotos só por pisardes a terra que é nossa. 
publicado por Revista Literatas às 08:11 | link | comentar

Amor


TXAPO-TXAPO   -  Mafalala
Arrone Valentim Maússe
Amar é viver,
Viver é Sonhar,
Sonhar com amor
Mesmo que viver o amor
Já nós é impossível,
sejamos fiéis como o cão,
A palavra amar,
Que com ele derrubarmos
Os obstáculos da vida,
E seremos sempre os vencedores
De todos os tempo,
Amar é viver o amor,
É ser feliz para sempre.
publicado por Revista Literatas às 08:03 | link | comentar

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