Quinta-feira, 30.06.11

O Apocalipse

Eduardo Quive - Maputo
Apocalipse
Muitos adivinhos já não sabiam nada do que acontecia em Deus me Livre!
Nenhum adivinho podia adivinhar tudo que se passava em volta do apocalíptico momento que pusera em apuros a antiga terra sagrada.
Podia espaçar-se muito no meio daquele nhima-nhima, que se instalou nas terras dos deuses, sem se quer distribuir minutos de tolerância. Os sacerdotes ainda tentavam dizer alguma coisa.
-          Mãe de misericórdia, mãe do Salvador, assista-nos nesta última agonia que se aproxima. – E ainda apelavam as multidões que fizessem qualquer reza.
-          - Orai irmãos, ao Deus nosso senhor.
Por outro lado ouviam-se gritos de socorros e nhandayeyos. Ninguém podia rezar, no lugar de agir com própria confiança e esperteza.
-          Já o demos oportunidade de fazer alguma coisa e nada fez. Deus que mata nunca dera vida!
-          Quantas vezes os nossos filhos, pais, irmãos, tios e sobrinhos, gritaram o nome desse Deus tal, antes que estas terras os levasse para as profundezas do além?
-          Orai vocês mesmos pelas vossas próprias vidas e aproveitem para dizer a Ele para se preparar, porque daqui a pouco estas terras que criou com a própria mão, vão me levar para junto dele e vou o matar pela segunda vez e será para sempre…sem ressurreições.
O antigo sacerdote exigia do seu próprio criador que dissesse a verdade às massas – “morrereis pelos vossos pecados” – E assim parecia ser.
Os homens que antes confiavam nas suas mãos para fazer alguma coisa já o faziam com os pés. Corriam como se fossem aves…velocidade por demasio desespero.
Tudo acontecia em jeito de “nunca vi”. Crianças que nasciam em cima de árvores. Ndambini que o diga, nascera por baixo do céu, onde todos homens se escondem quando estão nus.
A sua mãe esquecera no meio da correnteza das águas assassinas, toda esperança: casa, roupa, comida, patos e etc. esquecera também das dívidas e da pobreza.
Subiu na árvore com a barriga de que dependia sua filha antes de sair. Todos ficaram a conhecer o Deus me livre que se passava do tempo.
Os Cabrais deixavam também debaixo do solo que engoliu as nossas vidas: dinheiro e herança, fortunas e projectos de lucros fartos. Mas levaram com sigo os terrores do seu racismo que sempre se fez presente na pele dos pretos que os serviam. Em troca de quê? Em troca de torturas.
E o rei Ngonhama, ainda não tinha partido para seu eterno destino. Feiticeiros, curandeiros e adivinhos o protegiam.
Na altura, pairavam dizeres sobre leões que habitavam nas florestas das redondezas e que pertenciam a sua dinastia.
Todos eles eram parte do seu corpo e cada homem que matavam, a ele fortaleciam.
Não eram apenas falácias. Muitos foram os que confirmaram. Malaquias, for a exemplo dos que com a sua carne, os leões deram vida ao rei. Viu seu traseiro espetado aos caninos dos indomáveis. Também ficou ferra, mas ferra de ferido. Morreu. Depois de ter passado setenta e duas horas em delírios de dor. Dormia de barriga, mas podia se alimentar. Não podia. Porque ele é que era o alimento. Comida do Rei Ngonhama.
Dizia-se também que a vila do Leproso era outra parte da sua vida, enraizada nas terras mais selvagens do continente, até o Mwamulambo, cobra dos deuses, se rendia ao temido homem com curvas dos diabos.
Todos os feiticeiros, curandeiros e adivinhos o protegiam. Até os sacerdotes invocavam o seu nome na hora das bênçãos.
Todos viventes sabiam porque tinha que desaparecer mensalmente do seu lar, alguns bois e donzelas. Eram para seus Nhamussoros. Os seus Nhankwaves. Alimentando o seu obscurantismo.
E cada vez mais se engolia a terra que antes fora sagrada.
Ninguém estava para justificar alguns acontecimentos que registavam-se em jeito de Swo Suketana swiku… sim. Tudo tal como diziam as lendas. De repente…
Do Deus me livre, tal como os deuses se livraram, os homens também se iam na maior estranheza.
Cada segundo uma vida entregava-se ao inferno. Pouco a pouco Deus me livre livrava-se de gente. Ficava terra do Nada. Ninguém já habitava o lugar.

publicado por Revista Literatas às 07:31 | link | comentar | ver comentários (1)

O povo

Mukurruza - Lichinga

  
                            (A um povo humilde por aí…)
I
Maldito tempo difícil,
Soam balas encravadas nas paredes,
Acordam banhadas de sangue no rosto.
É terrível sacrificar se pela humanidade escolhida!
II
No irreparável cuspo da guerra,
Há um denomino que lhes enche
De tristezas e lágrimas
De caras secas e pálidas!
III
De suor nudez
Deita (se) milhares pelo avermelhado chão.
E tudo em volta fica encarnado!
IV
Pátria se atormenta
E de baixo de sol escaldante
Vai o povo sonhando liberdade!



___________________________________
Mukurruza, cresceu na terra dos seus pais (Quelimane) onde moldou a sua vida e a maneira de sentir as coisas que formam o homem (Dor, Amor, Paixão)
A paixão pela literatura encaixa-se no novo milénio, publicou vários poemas, contos e crónicas em jornais e rádios.
Colaborador de vários jornais da cidade lichinga membro de direcção do (CEPAN) Clube de Escritores poetas & amigos do Niassa.
Costa na colectânea de poesia, (Noite Amanhecida) publicada em 2009. E ainda membro fundador do movimento ‘’Gincana de arte lichinga’’

publicado por Revista Literatas às 07:20 | link | comentar

Excerto de Funan Mutin (Branca Flor)

Joana Ruas - Lisboa
E, como ela saísse para a rua , o cabo seguiu-a e perguntou: — Para onde vai, Fulan Mutin? 
—  Sou Maria Benedita,  filha de D.Carlos e estou lá para os lados da praia. A noite não tarda a cair e eu não quero viajar às escuras.
Maria Benedita chamou Olímpio e começaram a subir morro acima seguidos pelo cabo. Estavam já  naquela plataforma ondulada e sulcada de vales estreitos onde serpenteavam pequenos arroios alimentados pela  água suada pelos montes ensopados  e tendo em frente, velando como uma estátua de pedra, as escarpas do Mate-Bian e o céu tão perto das cabeças que parecia repousar placidamente sobre o Mundo Perdido, quando  o sino da Missão começou a tocar a finados. O rosto do cabo tornou-se grave.   
—  Eu acompanho-a até casa. O sino, quando toca antes de eu começar a jogar, dá-me azar. Mas espere aqui por mim que eu não dei resposta ao chinês.
E, tendo-se desculpado pela viagem perante o china,  Filomeno partiu com Maria Benedita.
Olímpio que com a espera se deixara adormecer debaixo de uma árvore, quando Maria Benedita lhe tocou no ombro para o acordar,  apesar de estremunhado, espantou-se de a  ver  com um desconhecido que depois de  pegar em Maria Benedita pela cintura,  a  colocou em cima do cavalo. E mais espantado ficou quando o desconhecido, sem cerimónia, tomou  o cavalo dele  para o montar. Já encolerizado com tanto atrevimento,  levantou-se de supetão e gritou: — E eu onde vou?  
Como nem ela nem ele cuidassem da sua pessoa, Olímpio achou melhor calar-se para ver se entendia melhor o que se estava a passar e foi andando a pé atrás deles que não pareciam apressados, pelo contrário, iam calados, mas Olímpio captou qualquer coisa no ar, impalpável mas demasiado presente para ser irreal. Era como se o mundo estivesse, de repente, todo sossegado. Pegou num galho para bater as ervas do caminho mas susteve o gesto. Podia-se quebrar o encanto e, mesmo só podendo vê-los de costas, sentia que apesar de montados em cavalos diferentes eles iam andando como se fossem uma só pessoa, uma só respiração, um só alento. Iam os dois tão paradamente andando que as borboletas poisavam nas crinas dos cavalos, nas orelhas e nas caudas. Quando em uníssono se olharam olhos nos olhos, os cavalos, sentindo-lhes a leveza,  ousaram baixar as cabeças e puseram-se a comer erva. Olímpio tossiu. Os cavalos começaram a trotar. E, como tivesse que correr atrás deles, gritou-lhes que parassem. Eles olharam para trás e começaram a rir.   
As nuvens corriam velozes  pelo céu fora. A saia azul do vestido de Maria Benedita enfunou-se como uma bandeira, o chapéu caiu-lhe para os ombros e as fitas da cintura levantaram-se para lhe bater no rosto. Pararam. Maria Benedita trocou  o vestido  pela lipa e prendeu o chapéu com um lenço que atou com um nó debaixo do queixo. Quando continuaram a viagem, o vento despenhava-se do céu descendo as montanhas num vozeirão tremendo, galgava colinas e prados e, ao passar junto às gargantas dos rochedos, atirava-se pelos desfiladeiros em assobios sibilinos. As montadas dispararam vale abaixo. Cavalos selvagens, soltando-se da manada, fustigados pelo vento que lhes desatava as crinas revoltas, acolhiam como uma riqueza inestimável o  vigoroso abraço da ventania, empinavam-se e relincham numa saudação estrepitosa, expondo as narinas ofegantes à picante  carícia do ar fresco. Os viandantes embrenharam-se na floresta onde a ventania sossegada rumorejava no cimo das árvores altíssimas até que saía da densa folhagem e, já cansada, se ia estender como uma brisa fresca sobre o mar. Desmontaram para descansarem. No meio da floresta , o vento entrava ali devagar como num templo. A atmosfera carregava-se do  perfume das flores e, no ar um pouco agitado, ainda as pétalas tombavam das árvores em miríades esmaltando a terra fofa. O vento trazia rumores vários, cicios e assobios e a frescura de uma primavera breve. Para as flores dióicas chegavam as núpcias: o seu pólen espalhava-se nos ares como o sorriso de um deus amarelo e,  no recesso das folhas, na benigna obscuridade que as cercava, as flores aceitavam com um frémito voluptuoso a carícia da brisa e, enlanguescendo, derramavam-se lançando no seio da doce brisa o pólen fecundante. Os ninhos castanhos ou cinzentos recebiam o benefício de uma leve pétala branca poisando no seu ovo azul. O botão da flor da lua, ao sentir a aproximação da noite, estremecia um pouco e entreabria-se para desabrochar, caprichosa, na noite alta. Tinham-se sentado em frente um do outro. Ele tirara a camisa para ela se sentar nela e Maria Benedita olhava o seu peito largo e forte de filho das montanhas. Ela enrolara nas mãos um lenço de seda bordado a violetas e ficara de olhos baixos, submissa e grave. O seu rosto perdera a jovialidade e os olhos, a vivacidade. Mesmo quando chorara ele vira por detrás das lágrimas a vivacidade tenaz, a determinação juvenil e quase caprichosa por um objectivo. Agora via-a de semblante grave e olhos que escondiam uma súplica. Ele desfez o nó que lhe atava as mãos postas e, tomando-as entre as suas, levou-as à testa.  
—  Eu começo a sofrer  antes mesmo da despedida. No corpo e na alma. Agora, quer partas ou quer fiques,  já não sou mais moça, sou mulher antes de ser noiva.
—  Eu estou aqui para responder ao teu sentimento. Vou pedir-te em casamento ao teu pai.  

publicado por Revista Literatas às 07:15 | link | comentar

Eles voltaram

Nelson Lineu – Maputo
Mano, mano
eles voltaram estão ai
não estou a mentir
não podia brincar com essa seriedade
querem falar connosco
depois de cinco anos de amnésia
finalmente lembraram-se de nós.
Estão a dizer
que temos que ir as urnas
todos prometem mudanças
não vão nos esquecer mais
o nosso voto será antídoto.
Para não arriscarmos
Temos que escolher quem esquece menos.
publicado por Revista Literatas às 07:08 | link | comentar | ver comentários (2)

Auto-quotidiano

Jopone Arijuane – Maputo

Há vezes que a tristeza faz me muito feliz
Quando triste lembro a felicidade vivida
Nunca da tristeza que vivo.
Felicidade é  bem compreendida quando se esta triste
Minha vida é  o lado feliz da tristeza  

publicado por Revista Literatas às 07:04 | link | comentar | ver comentários (2)

Vovó Zumbi

Luana Mccain – Brasil


     Era hora de dormir. Eu e meus irmãos tivemos um dia muuuuuito agitado. Primeiro, vovó levou a gente no parque
de diversões. Depois, no cinema. Assistimos Um dia com a vovó zumbi. Por mais que o titulo fosse
aaaaaaaassustador, o filme era de aventura.

               - Meus amores, já está na hora de dormir.
            - Vovó, a gente vai embora amanhã... não queria... foi legal passar as férias aqui – disse meu irmão
do meio, com aquela vozinha de sempre.
               - Eu também – os olhos da minha irmãzinha se encheram de lágrimas.

               Revirei os olhos.

               - Vovó, antes de dormir, eu posso comer aquele bolo de nozes que cê fez hoje de manhã?

               Ela fez uma cara pensativa. Segundos depois, falou com aquela calmaria de sempre:

              - Hmmm não, não pode. Você acabou de escovar os dentes.
              - Mas...
              - Na na ni na não.
              - Vovó, quero água – disse meu irmão do meio.
              - E eu tô com sede – falou minha irmãzinha.
              - Venham. Eu levo vocês.

              E eles foram. Só eu fiquei no quarto.
              Dez minutos depois.
              E a casa estava um puro silêncio. Senti uma intensa vontade de descer na cozinha e ver o que os três
estavam fazendo. Era sempre assim: vovó realizava os desejos daquelas malinhas e eu sempre ficava de fora.
            Fui pra cozinha, quietinho da silva. Eu queria pegar eles de surpresa. Um passo. Dois passos. Três...
e na porta da cozinha estava minha irmãzinha de cócoras e cabeça baixa. Eu cutuquei ela e nenhuma resposta. Peguei
ela pelos cabelos e enoooooooooooooorme foi o meu susto, eu vi ela sem os olhos e a sua língua caiu nos meus pés.
             Dei um pulo pra trás. Eu queria chorar, mas não conseguia. Virei pra cozinha e meu irmão estava
diante da pia comendo o bolo de nozes, mas atrás dele estava a vovó, com uns dentes-monstros, super afiados,
pronto pra abocanhar a cabeça  dele.

tags: ,
publicado por Revista Literatas às 07:02 | link | comentar

Teatro

Nilton Pavin* - Brasil


Furtaram o pseudônimo do ator.
Delinquência de ação nefasta,
Tórrida intriga burra, insensata.
Código soslaio de pavor, louvor

Minuta de um ente protuberante
Que agoniza na vida pústula,
Intenção maligna de uma fístula
Reinante em um submundo rutilante

Filmico de sensível infausto
Repleto de atos e rumo funesto
De uma vida simples e inclemente

Reluz de um ato vil e sincrético,
Ao transformar o mundo maléfico
Em um pandemônio atroz e inerente




__________________________________________________
*Nilton Pavin é jornalista profissional com 28 anos de experiência, fotógrafo, professor universitário e consultor de comunicação corporativa. Tem sete livros publicados. Formou-se em jornalismo pela UMESP, fez Pós-graduação em Planejamento Estratégico em Comunicação na UMESP, com o tema de tese “Comunicação Corporativa, a ferramenta para consolidar a empresa no Novo Mercado”. É também mestre em Comunicação Empresarial pela UMESP com o tema de dissertação “Comunicação e Governança Corporativa: a informação on-line das empresas do Novo Mercado com o investidor pessoa física”. Atualmente é diretor da Annapurna Editora, idealizador e editor do site que reúne assuntos de interesse das áreas de Comunicação Empresarial e Governança Corporativa.

Foi editor executivo das revistas Notícias Pirelli, Revista Imprensa e Imprensa Mídia, Revista Offshore, Revista Náutica, Mar, Vela & Motor, Guia 4 Rodas, Revista Horizonte Geográfico e Revista do Explorador. Colaborou com as seguintes publicações: Duas Rodas, Oficina Mecânica, Veículos Importados, Caros Amigos, Globo Ciência, Superinteressante e rádio Eldorado.
O site www.photopress.com.br reúne seu acervo fotográfico, que é composto por mais de 8 mil imagens de diversos países e do Brasil. Viajou para mais de 30 países e é autor da exposição itinerante (2004 a 2011) “Os Paraísos Proibidos do Himalaia”, organizado pelo Serviço Social da Indústria – SESI/SP.

tags: ,
publicado por Revista Literatas às 07:01 | link | comentar | ver comentários (1)

A Revista Literatas

é um projeto:

 

Associação Movimento Literário Kuphaluxa

 

Dizer, fazer e sentir 

a Literatura

Junho 2011

D
S
T
Q
Q
S
S
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
15
16
17
18
19
20
21
24
25
26
27
29

pesquisar neste blog

 

posts recentes

subscrever feeds

últ. comentários

Posts mais comentados

tags

favoritos

arquivo

blogs SAPO