De Jorge Oliveira – O País
(Maputo) - Estas crónicas, escritas semana a semana, nada ficam a dever a outros textos preparados com mais tempo, com mais amadurecimento, com mais gestação
Depois de vários meses, e talvez até anos, sem se encontrar um livro que faça rir em grande plano e provoque uma gargalhada sonora, o cruzamento com “Xingondo” pode ser uma agradável surpresa, uma prova de que alguns livros são um bom motivo de relaxamento e podem proporcionar alguns momentos de lazer.
Daniel da Costa (DC), formado em Relações Internacionais, professor de língua portuguesa, consultor, cronista, e agora dedicado à comercialização de produtos pesqueiros, num retiro fora de Maputo (em Tete concretamente), mostra, nesta colectânea de crónicas, que é um homem decidido, trocou a disponibilidade de tempo, saiu dos escritórios para o terreno, e está atento aos fenómenos. Fixa tudo o que vê e tem sempre uma interpretação para o que lhe rodeia. “Num abrir e fechar de olhos, estava na baixa de Lourenço Marques. Aliás, Maputo. A rua estava lá, mas não o nome. Mudara para Bagamoio. As amigas da noite estavam lá, mas não Sofia. Para o investidor dava o mesmo. O importante era voltar a viver um esfreganço tropical com ilusórios sussurros à maneira dos filmes eróticos da pior categoria”.
Por vezes, pensa-se que a resolução dos problemas passa por decisões e atitudes ligadas às questões macro, ao geral, ao grande, esquece-se que a vida poderia ser muito melhorada se se vencesse nas pequenas coisas. DC trabalha muito os pormenores, a sua relação com o guarda, empregada doméstica, os filhos, o motorista da empresa, ou o homem apanhado na rua do pecado. Esses detalhes muitas vezes trazem o espelho do que é a tal vida macro, geral, e mostram que muitas soluções de questões pequenas podem reflectir-se na melhoria da vida de cada cidadão.
“Abramos o jogo: queremos crescer economicamente, trabalhando menos? Haverá fórmula para o desenvolvimento sem trabalho árduo? Será que ajuda contagiar com o descanso à segunda, caso o feriado calhe num sábado ou domingo? Ou aquela da tolerância de ponto no dia de chegada, quando o dirigente máximo vai de visita à província?”.
Estas crónicas, escritas semana a semana, nada ficam a dever a outros textos preparados com mais tempo, com mais amadurecimento, com mais gestação; o autor trata a língua de forma erudita e isso facilita-lhe a escrita, não deixando que a pressa lhe ameace a perfeição. Os comentários de DC, relativos à produtividade, ao esforço, e ao trabalho como factor de desenvolvimento, são feitos com serenidade.
“Como consequência, a localidade vai de bicicleta à sede do distrito procurar saber, sem êxito, o que é que se vai comemorar. O distrito vai à sede da província fazer o mesmo também sem êxito. A província vai aos órgãos centrais. Resultado: temos muitas datas, mas não se sabe de onde vêm exactamente”.
Quem conhece o autor sabe que o seu feitio é esse, criticar com suavidade, com riso, com astúcia. A referência que faz a crescer economicamente mais, trabalhando, menos parece acertada e leva a outros campos de interpretação. Por exemplo, há décadas, quando a HCB foi construída não existiam as ONG que, hoje, em nome do meio ambiente, estrebucham por tudo e por nada e acabam até por inviabilizar a construção de factores de desenvolvimento. Volvidos todos estes anos, nada indica que tenham havido danos de gravidade tal que indiquem que talvez tivesse sido melhor não construir a barragem.
As pontes e pontecas todas que foram construídas, em tempos que já lá vão, são actualmente um factor de desenvolvimento e ajuda às nossas populações, mas… nunca ficaram (nessa altura) reféns dos consultores, das consultorias, dos estudos, das vantagens e desvantagens, dos pontos fortes e fracos, e dos impactos todos, conhecidos e desconhecidos. Parece que o que se pretende é mostrar serviço, muitas vezes encurralando o desenvolvimento em troca de dólares que mais beneficiam os papagaios, que fazem o seu nas televisões, do que o povo. Quer-se construir uma ponte, falam, quer-se fazer uma barraca, falam, quer-se fazer uma barragem, falam. Há 30, 40, 50... anos não havia ambiente? Havia esse barulho todo?
“O homem estava um pouco mais sério do que era hábito. Deliberadamente, colocara-se num sítio mal iluminado e eu só lhe adivinhava a silhueta. Lembrei-me nesse instante que não tinha ouvido o ruído que a arma soltava, quando Cangolongondo se punha em sentido para me saudar. Era um som forte, grosso e curto, similar ao tilintar abafado de pesadas moedas no bolso de um adolescente”.
É um livro bonito, com uma bela capa do artista plástico Gemuce, texto agradável, fácil e rápido de ler, onde não se critica com leviandade, mas mistura-se crítica, narração de pequenos episódios, alegria e consequências da realidade social em que vivemos (muitas vezes reflectida nos comportamentos inocentes das crianças).